DIVULGAÇÃO DE DESPESAS COM P&D VERSUS INOVAÇÃO: UM ESTUDO NAS EMPRESAS LISTADAS NA B3

Nayana de Almeida Adriano1

Jislene Trindade Medeiros2

Alessandra Carvalho de Vasconcelos3

Márcia Martins Mendes De Luca4

Resumo: Investiga-se a associação entre a divulgação de despesas com pesquisa e desenvolvimento (P&D) e o nível de inovação nas empresas brasileiras listadas na B3. Adicionalmente, foi analisada a relação entre a governança corporativa e a divulgação de despesas com P&D e da divulgação das despesas da empresa com P&D e o seu valor de mercado. A amostra reúne todas as 350 empresas listadas na B3 no período de 2015 a 2017. Como proxy para inovação, utilizou-se o número de patentes registradas pela empresa, de acordo com o website Espacenet. Como proxy para governança corporativa, foi utilizada a participação da empresa em um dos níveis diferenciados de governança corporativa. E como proxy para valor de mercado, empregou-se o Q de Tobin. A partir do teste de Mann-Whitney, verificou-se que as empresas da amostra que divulgam despesas com P&D tendem a apresentar número de patentes e valor de mercado superiores aos das empresas que não as divulgam. Entretanto, os resultados da regressão revelaram que na maioria das empresas da amostra a divulgação de despesas com P&D não influencia o nível de inovação. De acordo com o modelo de regressão logística, evidenciou-se que as empresas participantes dos níveis diferenciados de governança corporativa apresentam maior propensão a divulgar as despesas com P&D, comparativamente àquelas não listadas. Por meio da regressão pelo Método dos Mínimos Quadrados Ordinários, evidenciou-se que a divulgação de despesas com P&D não impacta o valor da firma. Esses resultados fornecem a reguladores, investidores e intermediários evidências de que nas empresas da amostra a divulgação de despesas com P&D não influencia o nível de inovação, e sugerem que a inovação pode advir não apenas de atividades internas de P&D, ou que as empresas não vêm divulgando essa informação com o nível de qualidade desejável.

Palavras-chave: P&D. Inovação. Patentes.

DISCLOSURE OF SPENDING ON R&D AND LEVEL OF INNOVATION: A STUDY IN FIRMS TRADED ON B3

Abstract: In this study we investigated the relation between disclosure of spending on R&D and the level of innovation in Brazilian firms traded on B3. We also analyzed the relation between corporate governance and the disclosure of spending on R&D, and the relation of this disclosure and the market value. Our sample included all 350 firms listed on B3 in the period 2015-2017. Innovation was proxied by the number of patents filed by each firm, according to the Espacenet website. Corporate governance was proxied by participation in special corporate governance listing segments, and market value was proxied by Tobin’s Q. The results of the Mann-Whitney test revealed that sampled firms making disclosure of spending on R&D filed more patents and had higher market value than non-disclosing firms, but in the regression analysis, in most firms in the sample, disclosure of spending on R&D was not significantly associated with the level of innovation. The logistic regression model showed that firms in corporate governance listing segments were more likely to disclose spending on R&D than non-listed firms. In regressions with the ordinary least squares method, disclosure of spending on R&D had no significant impact on market value. Our findings provide regulators, investors and brokers with evidence that disclosure of spending on R&D has no measurable effect on the level of innovation in the sampled firms and suggest that innovation may come through channels other than internal R&D activities and/or that in many firms disclosure is of poor quality.

Keywords: R&D. Innovation. Patents

INTRODUÇÃO

A divulgação de informações institucionais pelas empresas é fundamental para o funcionamento de um mercado de capitais eficiente, pois a adoção da medida ajuda a reduzir a assimetria informacional e possibilita que os investidores de cada empresa passem a monitorar o cumprimento dos acordos contratuais e avaliar se seus gestores vêm empreendendo com a finalidade de maximizar o valor da companhia e gerar riqueza para os proprietários do capital (Healey & Palepu, 2001). Assim, tem-se que a divulgação de P&D é uma decisão estratégica direcionada aos investidores (Nekhili, Boubaker, & Lakhal, 2012).

Segundo Cohen, Diether e Malloy (2013), a empresa envolve-se em diversas atividades e algumas delas, embora cruciais para sua sobrevivência, estão associadas a altos níveis de incerteza quanto aos reflexos nos fluxos de caixa futuros, sendo difícil de se avaliar como afetarão o valor da empresa. Dentre essas atividades, destacam-se aquelas relacionadas a P&D.

Como o processo de inovação é altamente complexo e de resultado incerto, o papel informacional das despesas com P&D é potencializado, haja vista que essa rubrica é uma proxy para investimentos em inovação, assim como as patentes e outras propriedades intelectuais são medidas de sucesso da inovação. Alguns autores defendem ainda, que as empresas com maiores investimentos em inovação obtêm maiores taxas de sucesso e exibem desempenho futuro superior (Gu, 2005; Pandit, Wasley, & Zach, 2011).

Analisando uma amostra de 50.000 observações anuais de um conjunto de empresas no período de 1972 a 1997, Kothari, Laguerre e Leone (2002) encontraram evidências da existência de uma correlação positiva e significante entre as despesas com P&D e a incerteza quanto aos benefícios futuros desses investimentos, além de indícios de que a divulgação das despesas com P&D possui significativa relevância, principalmente para o retorno dos títulos.

Apesar de os estudos evidenciarem o impacto das despesas com P&D, considerados recursos direcionados para atividades de inovação no fluxo de caixa futuro e no retorno dos títulos (Cohen et al., 2013; Gu, 2005; Hall, Jaffe, & Trajtenberg, 2005; Kothari et al., 2002; Pandit et al., 2011), raras são as obras que avaliam a correlação entre a divulgação de informações sobre P&D e o sucesso da atividade de inovação (Koh & Reeb, 2015). Portanto, não há evidências empíricas robustas quanto a associação entre a divulgação de informações sobre P&D e o nível de inovação nas empresas, nem tampouco em relação aos possíveis fatores que influenciam a sua divulgação e seus reflexos, por exemplo, no valor de mercado das firmas, principalmente no Brasil.

Assim, este estudo tem por objetivo investigar a associação entre a divulgação das despesas com P&D e o nível de inovação nas empresas brasileiras listadas na B3 – Brasil, Bolsa, Balcão S. A. A amostra reúne dados de todas as empresas listadas no mercado de capitais brasileiro referentes ao triênio 2015-2017. Para tanto, as empresas foram segregadas em dois grupos: i) o das que divulgaram as despesas com P&D; e ii) e o daquelas que não divulgaram as despesas com P&D. Como proxy para inovação, foi utilizado o número de patentes registradas pela empresa, assim como defendido por Gu (2005), Hall et al. (2005) e Pandit et al. (2011). Além disso, investigou-se a relação entre o nível de governança corporativa e a decisão quanto à divulgação das despesas com P&D, assim como se a divulgação de despesas com P&D impacta o valor da empresa, utilizando-se, para tanto, uma variável dummy para identificar as empresas participantes dos níveis diferenciados de governança corporativa da B3 e o Q de Tobin como proxy para o valor da empresa. A análise dos dados foi inicialmente realizada por meio de técnicas de estatística descritiva e inferencial, ou seja, medidas de tendência, posição e dispersão e o teste de Mann-Whitney. Para o teste das hipóteses, foram empregadas técnicas de regressão logística e a regressão pelo Método dos Mínimos Quadrados Ordinários.

Seguindo as recomendações de Carayannis, Samara e Bakouros (2015) e de Carmona, Tomelin, Dani e Hein (2017), na presente pesquisa, considera-se a importância da identificação dos efeitos da divulgação dos dispêndios com P&D e a sua repercussão para a sociedade, em que permeiam a formulação de políticas públicas, o desenvolvimento de capacidades, geração de novos conhecimentos, instrumentos científicos e metodologias a serem incorporados em novos produtos e processos organizacionais.

O estudo avança no conhecimento sobre os aspectos que se relacionam com a divulgação de informações relacionadas a P&D, como também fornece evidências da associação entre a divulgação das despesas com P&D e o nível de inovação nas empresas no mercado de capitais do Brasil. Destaca-se a relevância do estudo para os usuários das informações financeiras, especialmente os órgãos reguladores, ao sinalizar que as empresas podem não vir classificando e evidenciando adequadamente as despesas com P&D, já que se observou que a maioria das empresas da amostra que detêm patentes não divulgam as despesas com P&D. Além disso, apresenta para investidores e analistas financeiros indícios de que o valor de mercado pode não vir refletindo o potencial de geração de fluxos de caixa provenientes de atividades de inovação devido à ausência de informações referentes a essa atividade, o que pode indicar uma baixa qualidade das informações reportadas.

2 REVISÃO DE LITERATURA E DESENVOLVIMENTO DAS HIPÓTESES

A divulgação de informações constitui aspecto preponderante para redução da assimetria informacional entre principal e agente. Entretanto, segundo Gigler (1994), as empresas enfrentam conflitos ao decidir o que será divulgado, haja vista que os diferentes usuários das informações têm preferências diversas sobre o que é divulgado. Koh e Reeb (2015) defendem que os gestores utilizam de seu poder de discricionariedade para decidir o que divulgar, e, mesmo com a obrigatoriedade de elaboração e divulgação das demonstrações contábeis, a divulgação de algumas informações e o nível de seu detalhamento são decisões gerenciais (Fishman & Hagerty, 1990) e os custos de capital podem influenciar essas escolhas (Lo, 2010).

Devido ao seu poder de impulsionar mudanças na empresa, a inovação é uma mola propulsora para o desenvolvimento de longo prazo (Hungarato & Teixeira, 2012). Segundo Shumpeter (1934), a inovação é um mecanismo por meio do qual a empresa se renova e se mantém competitiva. O investimento em P&D constitui uma das principais proxies utilizadas para a identificação de atividades de inovação (Pandit et al., 2011), sendo considerado uma medida primária de inovação e progresso tecnológico (Lerner & Wulf, 2007).

Para Tsai e Wang (2009), investimentos elevados em P&D proporcionam o aumento da capacidade tecnológica, o desenvolvimento de processo diferencial e de processos e produtos inovadores, com potencial de gerar o incremento da capacidade inovativa da empresa.

De acordo com Gallini (2002), o registro de patentes representa uma das formas de a empresa proteger o conhecimento gerado por meio do processo de P&D. Segundo o referido autor, presume-se que a empresa detentora de patente registrada incorreu em despesa com P&D em períodos anteriores. Hall et al. (2005) afirmam que as despesas com P&D podem ser utilizadas para medir a intensidade dos investimentos no segmento e que o registro de patentes é o resultado dos esforços da realização de P&D, sendo, portanto, uma medida do nível de inovação da empresa.

Usando uma amostra constituída de empresas dos diversos mercados do mundo com Ativo superior a 1 milhão de dólares no período de 1980 a 2016, Koh e Reeb (2015) concluíram que as empresas que divulgam despesas com P&D possuem mais patentes do que aquelas que não divulgam. Os resultados do estudo revelaram também que as empresas que não divulgam despesas com P&D obtêm retorno com as patentes 8% inferior do que aquelas que divulgam. Além disso, os autores encontraram indícios de que a escolha da não divulgação de informações sobre P&D constitui uma decisão deliberada.

O estudo de Nekhili, Boubaker e Lakhal (2012) examinou se a divulgação de P&D afeta o valor de mercado em uma amostra de 84 empresas listadas na França durante o período 2000-2004. As descobertas obtidas demonstram que o disclosure de P&D melhora o valor de mercado da empresa, sugerindo que os benefícios das divulgações de atividades de P&D excedem os custos de divulgação.

Diversas pesquisas nacionais (Klann & Beuren, 2011; Santos, Silva, Gallon, & De Luca, 2012) e internacionais (Gu, 2005; Hall & Oriani, 2006; Hall et al., 2005; Nekhili, Boubaker, & Lakhal, 2012) foram desenvolvidas com a finalidade de investigar os efeitos das despesas com P&D. Contudo, ainda são incipientes e não conclusivos os estudos que investigam a influência da divulgação de despesas com P&D no nível de inovação, principalmente no mercado brasileiro. Assim, formula-se a primeira hipótese de pesquisa:

H1: As empresas que divulgam as despesas com P&D apresentam nível mais alto de inovação em comparação com aquelas que não as divulgam.

Observa-se que, como recomendado pelas normas contábeis, a maior parte dos recursos direcionados para P&D deve ser divulgada e reconhecida como despesa no período, já que nos projetos desenvolvidos internamente todos os gastos incorridos devem ser reconhecidos como despesas, destacando-se que na fase de desenvolvimento, se os gastos atendem critérios de intangibilidade demonstrando que podem gerar prováveis benefícios futuros, devem ser reconhecidos no ativo. Os gastos com P&D provenientes de um projeto em andamento adquirido em uma combinação de negócios devem ser reconhecidos como ativo se o projeto atender à definição de ativo intangível, ou seja, puder ser identificado, separável, controlado e gerador de benefícios econômicos futuros.

Assim, embora as normas contábeis definam diretrizes específicas de mensuração, reconhecimento e divulgação dos ativos intangíveis, no que se refere ao reconhecimento dos gastos com P&D a norma se restringe a indicar que esses gastos devem ser registrados como despesas. Dessa forma, pode-se afirmar que a classificação da despesa com P&D envolve um componente subjetivo, que é a avaliação da característica do gasto e ainda, da sua relevância, favorecendo, em muitos casos, a opção pela inclusão na rubrica Outras despesas e a divulgação, separadamente, em notas explicativas (IAS, 38).

Segundo Koh e Reeb (2015), como a classificação adotada para a divulgação de informações sobre P&D não gera impacto significativo no lucro, sendo de difícil detecção por parte de auditores e outros destinatários da informação, os gestores podem utilizar seu poder de discricionariedade ao classificar essa despesa com a finalidade de atingir e atender a objetivos específicos. Diversos motivos podem levar os gestores a decidir que as despesas com P&D sejam contabilizadas em Outras despesas, como, por exemplo, quando recebem incentivos para limitar a informação a alguns usuários, tais como os concorrentes (Koh & Reeb, 2015), ou quando essa informação não é considerada relevante ao ponto de sua omissão influenciar, razoavelmente, a tomada de decisão.

Apesar de as normas contábeis possibilitarem a discricionariedade dos gestores na decisão quanto à classificação das despesas com P&D, fatores como as práticas de governança corporativa adotadas pela empresa podem influenciar a decisão de divulgação dessas informações, já que tais práticas visam reduzir os conflitos de agência e a assimetria de informação, além de coordenar a eficiência do relacionamento entre a empresa e os acionistas (Assunção, De Luca, & Vasconcelos, 2017).

Sabe-se que as empresas que aderem voluntariamente a segmentos especiais de governança corporativa comprometem-se em adotar nível mais alto de transparência e padrões de governança, sendo um indicativo da postura da empresa em relação a alguns valores, tais como transparência e integridade das informações (Assunção et al., 2017; Silva, Bonfim, Gonçalves, & Niyama, 2018). Assim, apresenta-se a segunda hipótese norteadora deste estudo:

H2: A divulgação de informações sobre as despesas com P&D está associada a um nível mais elevado de governança corporativa.

Eberhart, Maxwell e Siddique (2004) argumentam que os benefícios potenciais do aumento das despesas com P&D indicam informações intangíveis sobre os fluxos de caixa futuro da empresa. Após analisar o reflexo do aumento das despesas com P&D em empresas americanas no período de 1951 a 2001, os autores identificaram que as companhias que aumentaram os investimentos em P&D apresentaram retornos anormais positivos no longo prazo.

O estudo de eventos de Hungarato e Sanches (2006), em companhias abertas brasileiras no período de 1995 e 2004, constatou uma variação positiva nos retornos anormais das empresas de alta intensidade tecnológica ao analisar a variação de preços entre 30 e 60 dias após a divulgação dos dispêndios com P&D.

Considerando como proxy para inovação o número de patentes, Pandit et al. (2011), ao investigar o efeito das despesas com P&D no desempenho operacional futuro, no período de 1972 a 2000, em uma amostra constituída de 20.391 observações anuais, verificaram que as empresas mais inovadoras e que têm P&D mais produtiva e maior número de patentes exibem desempenho operacional futuro maior e menos volátil.

Segundo Watson, Shrives e Marston (2002), a divulgação das informações financeiras por uma empresa, além de reduzir a assimetria informacional, constitui uma sinalização para o mercado. Entretanto, Daniel, Titman e Wei (2001) afirmam que os investidores interpretam erroneamente as informações intangíveis, mas não as informações tangíveis. Logo, ao divulgar as despesas com P&D, a empresa transmite uma informação para o mercado (Klann & Beuren, 2011) e os investidores captam a sinalização, e, consequentemente, o valor da firma reflete essa informação. De maneira contraditória, Espíndola, Santos e Vasconcelos (2018) analisaram a relevância de divulgar os gastos com P&D no mercado de capitais brasileiro, no período de 2011 a 2015, e concluíram que a divulgação dos dispêndios com P&D não sinalizam maior probabilidade de obter vantagens competitivas no contexto do mercado de capitais do Brasil.

Apesar de não existir consenso nos resultados empíricos anteriores quanto ao relacionamento entre disclosure de P&D e valor de mercado da empresa, apresenta-se a terceira hipótese do estudo:

H3: A divulgação de informações das despesas com P&D está associada a uma valorização da empresa no mercado.

Algumas características empresariais e sua relação com a divulgação de informações de P&D também foram destacadas pela literatura. Koh e Reeb (2015) e Gaver e Gaver (1993) argumentam que empresas maiores apresentam maior assimetria de informação entre gestores e investidores e, consequentemente, têm mais incentivos para divulgar informações de P&D com a finalidade de reduzir essa assimetria de informação. Além disso, empresas que direcionam mais recursos para atividades de inovação apresentam maior retorno (Cohen et al., 2013; Pandit et al., 2011). Dessa forma, é provável que empresas maiores e com maior retorno sobre o ativo reconheçam e evidenciem as despesas de P&D em conta separada, melhorando o nível de divulgação de tais despesas.

No entanto, empresas que apresentam maior dependência de dívida não têm tantos incentivos para aumentar as atividades de divulgação, pois, além de terem investidores que enfrentam reduzida assimetria de informação, os credores não compartilham benefícios futuros de projetos bem-sucedidos de P&D (Healy, Hutton, & Palepu, 1999; Koh & Reeb, 2015; Lo, 2010). Dessa forma, espera-se que empresas mais alavancadas sejam menos inclinadas a divulgar informações de despesas com P&D.

O setor de atuação da empresa pode potencializar a probabilidade de divulgação de despesas com P&D devido as suas características operacionais, tais como petróleo, gás e biocombustíveis, telecomunicações e tecnologia da informação, em que as atividades de pesquisa e desenvolvimento são informações relevantes (Tsai & Wang, 2009). Ademais, Dye e Sridhar (1995) defendem que empresas que atuam em um setor com maior divulgação de P&D têm maior probabilidade de divulgar seus projetos de pesquisa e desenvolvimento e seus gastos de P&D. Assim, acredita-se que o setor é um aspecto determinante da divulgação de despesas com P&D.

3 MÉTODO DA PESQUISA

A amostra desta pesquisa compreende todas as empresas listadas na B3. Foram utilizados dados anuais referentes ao período de 2015 a 2017, coletados no banco de dados da Compustat Global®. Observa-se que, como em cada um dos modelos algumas variáveis se modificam, o total de observações por empresa varia entre 305 e 727.

Na Tabela 1 são demonstradas as variáveis utilizadas, bem como a operacionalização a fonte de dados e a base teórica de cada uma delas.

Tabela 1: Descrição das variáveis da pesquisa, operacionalização, fonte de dados e base teórica

Variável

Operacionalização

Fonte de dados

Base teórica

Divulgação de P&D (DP&D)

Dummy, que assume o valor 1 para empresa que divulga P&D, e o valor nulo no caso contrário

Compustat

Koh e Reeb (2015)

Inovação

(INOV)

Número de patentes

Website Espacenet

Gu (2005)

Koh e Reeb (2015)

Pandit et al. (2011)

Valor de Mercado

(Q Tobin)

Valor de mercado das ações, somado às dívidas, dividido pelo Ativo

Compustat

Koh e Reeb (2015)

Lev e Sougiannis (1996)

Nível de Governança Corporativa

(NGC)

Dummy, que assume o valor 1 para empresa não participante de nenhum NGC, e o valor nulo no caso contrário

Formulário de Referência

Almendra, Vasconcelos, Aragão, & Cysne (2017)

Silva et al. (2018)

Nascimento et al. (2018)

Tamanho (TAM)

Logaritmo natural do Ativo

Compustat

Koh e Reeb (2015)

Gaver e Gaver (1993)

Alavancagem (ALAV)

Capital de terceiros dividido pelo Ativo

Compustat

Nascimento et al. (2018)

Parente, Vasconcelos e De Luca (2015)

Lo (2016)

Rentabilidade (RENT)

Lucro Líquido dividido pelo Patrimônio Líquido

Compustat

Cohen et al. (2013)

Pandit et al., (2011)

Setor (SET)

Setor econômico

Website da B3

Chan, Martin e Kensinger (1990)

Tsai e Wang (2009)

Fonte: Elaborada pelos autores.

A partir das variáveis apresentadas na Tabela 1, com o propósito de testar as hipóteses, e ainda concretizar o objetivo da pesquisa, são utilizadas as Equações 1, 2 e 3.

INOVi,t = α + β1DP&Di,t + β2NGCi,t + β3TAMi,t + β4ALAVi,t + β5 RENTi,t + β6 SETi,t (Equação 1)

DP&Di,t = α + β1NGCi,t + β2TAMi,t + β3ALAVi,t + β4 RENTi,t + β5 SETi,t (Equação 2)

Q de Tobini,t-1 = α + β1DP&Di,t + β2NGCi,t + β3TAMi,t + β4ALAVi,t+ β5 RENTi,t + β6 SETi,t (Equação 3)

Os dados foram submetidos a uma série de tratamentos estatísticos. Inicialmente, foi procedida uma análise descritiva das variáveis, segregando-se as empresas em dois grupos: i) empresas que divulgaram informações sobre P&D; e ii) empresas que não divulgaram informações sobre P&D. Nessa etapa, foram empregadas medidas de tendência, posição e dispersão, além do teste de Mann-Whitney.

Na sequência, foram empregadas técnicas de regressão logística e o Método dos Mínimos Quadrados Ordinários. Para se verificar se a divulgação de P&D da empresa está relacionada com o seu nível de inovação (Equação 1) e o seu valor de mercado (Equação 3), foi utilizada a regressão pelo Método dos Mínimos Quadrados Ordinários. Já para se investigar o impacto do nível de governança corporativa na divulgação de informações sobre P&D, utilizou-se a regressão logística, haja vista ser esse o método mais adequado para situações em que a variável dependente é binária, como no caso da Equação 2, cuja amostra foi subdividida em dois grupos, por meio de uma variável dummy, conforme demonstrado na Tabela 1.

Dessa forma, ressalta-se que a Equação 1 é utilizada para testar a primeira hipótese do estudo de que as empresas que divulgam as despesas com P&D apresentam nível mais alto de inovação em comparação com aquelas que não as divulgam. Para que essa hipótese não seja rejeitada, espera-se associação positiva e significante entre as variáveis DP&D e INOV. A segunda hipótese do estudo de que a divulgação de informações de despesas com P&D está associada a um nível mais elevado de governança corporativa é testada por meio da Equação 2, em que se espera associação positiva e significante entre as variáveis DP&D e NGC. Para verificar se a divulgação de informações de despesas com P&D está associada a valorização da empresa no mercado, terceira hipótese, espera-se que a relação entre a variável Q de Tobin e a variável DP&D seja significante e positiva, sendo utilizada a Equação 3.

4 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS

Na Tabela 2 são apresentados os resultados da estatística descritiva das variáveis operacionais separadas por grupo: i) empresas que divulgam P&D; e ii) empresas que não divulgam P&D. Os grupos foram comparados por meio do teste de Mann-Whitney, com o objetivo de se verificar se há diferenças significantes entre as variáveis. Os resultados são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2: Estatística descritiva do teste de Mann-Whitney

Divulga P&D

Teste de Mann-Whitney/χ²

Não

Sim

256

94

Média

Mediana

Desvio-padrão

Média

Mediana

Desvio-padrão

Nº de patentes

4,98

0,00

32,12

9,44

0,00

27,09

0,0483(**)

Possui patentes?

Sim

Não

38 (57%)

218 (77%)

29 (43%)

65 (23%)

0,0161(**)

Participa dos níveis de governança?

Sim

Não

130 (68%)

126 (80%)

62 (32%)

32 (20%)

0,0013(***)

Q de Tobin

0,75

0,47

0,84

0,87

0,63

0,85

0,0000(***)

(*), (**), (***) Denotam, respectivamente, significância de 10%, 5% e 1%.

Fonte: Elaborada pelos autores.

Nota-se que apenas 94 das 350 empresas listadas na B3 no período de 2015 a 2017 divulgaram as despesas com P&D, indicando que a maioria delas ou não investe recursos em P&D ou não evidencia essa despesa separadamente. Além disso, observa-se que as empresas que divulgam despesas com P&D detêm uma média de 9 patentes registradas, e que, apesar de 256 empresas não divulgarem despesas com P&D, essas empresas apresentam uma média de 5 patentes registradas.

O resultado do teste de Mann-Whitney revelou que há diferença estatisticamente significante a 5% entre os dois grupos (o que divulga e o que não divulga) no número de patentes registradas. Contudo, ressalta-se que nos dois grupos há empresas que não detêm nenhuma patente registrada, e que em ambos há um alto desvio-padrão na distribuição das patentes.

Com relação ao nível de governança, depreende-se que 80% das empresas não participantes de nível diferenciado de governança corporativa não divulgam gastos com P&D, ao contrário de 68% das empresas pertencentes aos três segmentos (Nível 1, Nível 2 ou Novo Mercado), sinalizando que o fato de as empresas participarem dos níveis diferenciados de governança influencia a divulgação de P&D, já que a diferença mostrou-se significante a 1%, segundo o resultado do teste de Mann-Whitney.

Com relação ao Q de Tobin, que capta a valorização da empresa no mercado, evidenciou-se que as companhias que divulgam as despesas com P&D são, em média, mais valorizadas do que aquelas que não as divulgam, sendo essa diferença significante a 1%, contrariando os resultados de Espíndola, Santos e Vasconcelos (2018). Entretanto, verifica-se que as empresas que não divulgam as despesas com P&D detêm mais patentes do que as que divulgam tais informações. Dessa forma, evidenciam-se indícios de que as empresas que não divulgam as despesas com P&D apresentam níveis mais altos de inovação do que aquelas que as divulgam. Esse achado diverge dos resultados encontrados por Nekhili, Boubaker e Lakhal (2012) que indicam que em empresas francesas (i) quanto maior o investimento em P&D, maior a quantidade de informações relacionadas à P&D divulgada pela empresa; e (ii) a capitalização de P&D fornece incentivos para as empresas disseminarem mais informações relacionadas à P&D.

Com a finalidade de testar a primeira hipótese de pesquisa, isto é, analisar se as empresas que divulgam as despesas com P&D são mais inovadoras do que aquelas que não as divulgam, foi utilizado um modelo de regressão, cujos resultados são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3: Resultado da regressão da influência da divulgação de P&D no nível de inovação

Variável dependente: Nº de patentes

Coeficiente

Valor P

Intercepto

-3,300

0,000(***)

DP&D (Sim)

0,426

0,163

NGC (Não participantes)

0,746

0,005(***)

TAM

0,517

0,000(***)

ALAV

0,026

0,272

RENT

-0,834

0,464

Setor (Consumo Cíclico)

0,069

0,850

Setor (Consumo Não Cíclico)

-1,242

0,039

Setor (Financeiro e Outros)

-0,188

0,753

Setor (Materiais Básicos)

-0,166

0,665

Setor (Petróleo, Gás e Biocombustíveis)

3,070

0,000(***)

Setor (Saúde)

-0,608

0,363

Setor (Tecnologia da Informação)

-0,227

0,856

Setor (Telecomunicações)

-2,706

0,004(***)

Setor (Utilidade Pública)

-1,508

0,000(***)

0,297

R²-Ajustado

0,266

Teste F

9,428 (0,000) (***)

N

327

(*), (**), (***) Denotam, respectivamente, significância de 10%, 5% e 1%.

Fonte: Elaborada pelos autores.

O coeficiente encontrado para a variável que indica as empresas que divulgam informações de P&D foi positivo e não significante a 1%, 5% e 10%, razão pela qual não é possível inferir que as empresas que divulgam as despesas com P&D apresentam número de patentes superior ao daquelas que não as divulgam, sinalizando que nas empresas da amostra a divulgação dos gastos com P&D não está relacionada ao nível de inovação. Segundo os resultados, rejeita-se a primeira hipótese (H1) de que as empresas que divulgam as despesas com P&D obtêm nível mais elevado de inovação em comparação com as do outro grupo.

De acordo com os resultados, apresentados na Tabela 2, as empresas não participantes de níveis diferenciados de governança corporativa detêm maior número de patentes do que as demais empresas listadas na B3 (Nível 1, Nível 2 ou Novo Mercado), e, conforme visualizado na Tabela 3, no primeiro grupo foi encontrado coeficiente da variável governança positivo (0,746) e significante a 1%. Esse resultado indica que as empresas não listadas são mais inovadoras do que aquelas com nível mais alto de governança corporativa.

Ademais, constata-se que o tamanho da empresa tem correlação positiva e significante a 1% com o número de suas patentes, apresentando indícios de que as empresas de maior porte registram maior número de patentes. Além disso, verifica-se que as empresas do setor Petróleo, Gás e Biocombustíveis possuem em média maior número de patentes do que as do setor Bens Industriais. Contudo, as empresas dos setores Telecomunicações e Utilidade Pública, como apresentaram coeficientes significantes e negativos, possuem em média patentes em números inferiores aos das empresas do setor Bens Industriais.

Após constatar que nas empresas da amostra a divulgação de despesas com P&D não influencia o nível de inovação, medido pelo número de patentes registradas, investigou-se a influência do nível de governança corporativa na divulgação de despesas com P&D, ou seja, se as empresas participantes dos níveis diferenciados de governança corporativa apresentam maior propensão a divulgar informações sobre os investimentos em P&D. Os resultados são apresentados na Tabela 4.

Tabela 4: Resultado da regressão logística da influência da governança corporativa na divulgação de despesas com P&D

Variável dependente: 1 – Divulga P&D; 0 – Não Divulga P&D

Coeficiente

Valor P

Exp (B)

Intercepto

-2,293

0,004

0,101

NGC (Não participantes)

-0,949

0,005(***)

0,387

TAM

0,247

0,011(**)

1,280

ALAV

-0,122

0,633

0,886

RENT

3,453

0,158

31,593

Setor (Consumo Cíclico)

-1,676

0,001(***)

0,187

Setor (Consumo Não Cíclico)

-0,331

0,644

0,718

Setor (Financeiro e Outros)

-16,808

0,985

0,000

Setor (Materiais Básicos)

-1,082

0,029(**)

0,339

Setor (Petróleo, Gás e Biocombustíveis)

0,325

0,705

1,384

Setor (Saúde)

-0,382

0,626

0,683

Setor (Tecnologia da Informação)

1,852

0,166

6,375

Setor (Telecomunicações)

-17,742

0,991

0,000

Setor (Utilidade Pública)

1,234

0,007(***)

3,436

R² Nagelkerke

0,416

AUC

0,838

Teste da Razão de Verossimilhança

112,390 (0,000) (***)

N

727

(*), (**), (***) Denotam, respectivamente, significância de 10%, 5% e 1%.

Fonte: Elaborada pelos autores.

Na Tabela 4, verifica-se que o coeficiente encontrado para a variável NGC é negativo e significante a 1%. Assim, é possível inferir que as empresas não participantes dos níveis diferenciados apresentaram uma menor propensão a divulgar despesas com P&D, ou seja, o fato de as empresas participarem de níveis diferenciados de governança corporativa resulta em uma maior probabilidade de divulgação de gastos com P&D.

Ademais, observa-se que as empresas não listadas apresentam uma queda na propensão a divulgar despesas com P&D da ordem de 38,7% em relação às participantes dos níveis diferenciados de governança corporativa. Portanto, não pode ser rejeitada a segunda hipótese (H2), de que a divulgação das despesas com P&D está associada a um nível mais alto de governança corporativa.

Ressalte-se que, apesar de as empresas não participantes dos níveis diferenciados apresentarem uma correlação negativa e significante com a divulgação de despesas com P&D, elas possuem maior número de patentes, isto é, apresentam nível mais alto de inovação em comparação com aquelas que divulgam despesas com P&D, como demonstrado nas Tabelas 2 e 3. Dessa forma, reforçam-se os indícios de que nas empresas da amostra a divulgação de despesas com P&D não está relacionada ao nível de inovação.

Constata-se que os coeficientes dos setores Consumo Cíclico e Materiais Básicos apresentaram sinais negativos e significantes a 1% e 5%, respectivamente. Essa correlação era esperada, haja vista que esses setores não possuem histórico de envolvimento com P&D. Entretanto, a variável que indica as empresas integrantes do setor Utilidade Pública apresentou coeficiente positivo e significante a 1%. Dessa forma, há indícios de que, a depender do setor, há distintas probabilidades de as empresas divulgarem suas despesas com P&D.

Especificamente em relação ao setor Utilidade Pública, observa-se que as empresas de alguns subsetores, como, por exemplo, Energia Elétrica, são obrigadas pela Lei 9.991/2000 a direcionar uma proporção mínima da receita operacional líquida (0,75%) para investimentos em P&D. Além disso, esses resultados indicam que, de forma geral, as empresas de setores com regulação governamental, como é o caso da maioria no setor Utilidade Pública, recebem maiores incentivos para divulgar despesas com P&D.

No que tange às variáveis financeiras, evidencia-se que quanto maior for a empresa, maior será a propensão a divulgar despesas com P&D, haja vista que a variável tamanho (TAM) apresentou coeficiente positivo e significante a 5%. Esses resultados podem estar relacionados ao fato de que as empresas de maior porte dispõem de mais recursos para investir no desenvolvimento de pesquisas, o que se reflete em um nível mais alto de evidenciação dessa despesa.

Adiciona-se que, de acordo com o teste de verossimilhança, as variáveis consideradas no modelo explicam a divulgação de despesas com P&D, já que o modelo da regressão mostrou-se significativo a 1%. De acordo com o R² Nagelkerke, a qualidade do ajustamento do modelo alcança 41,6%.

Por fim, investigou-se o impacto da divulgação de despesas com P&D no valor da empresa. Para tanto, utilizou-se como proxy a variável Q de Tobin da empesa i no tempo t-1. Os resultados são demonstrados na Tabela 5.

Tabela 5: Resultado da regressão da influência da divulgação de P&D no valor da empresa

Variável dependente: Q de Tobin

Coeficiente

Valor P

Intercepto

4,45

0,097(*)

DP&D (Sim)

-1,79

0,348

NGC (Não participantes)

-4.03

0,015(**)

TAM

0,043

0,096(*)

ALAV

-0,01

0,911

RENT

1,87

0,020(**)

Setor (Consumo Cíclico)

0,106

0,023(**)

Setor (Consumo Não Cíclico)

0,241

0,136

Setor (Financeiro e Outros)

0,119

0,750

Setor (Materiais Básicos)

-0,223

0,386

Setor (Petróleo, Gás e Biocombustíveis)

0,635

0,212

Setor (Saúde)

0,141

0,002(***)

Setor (Tecnologia da Informação)

0,367

0,000(***)

Setor (Telecomunicações)

0,755

0,880

Setor (Utilidade Pública)

0,282

0,502

0,2063

R²-Ajustado

0,1481

Teste F

3,55 (0,000)

N

206

(*), (**), (***) Denotam, respectivamente, significância de 10%, 5% e 1%.

Fonte: Elaborada pelos autores.

Nota-se que a variável divulgação de despesas com P&D (DP&D) não foi significante, indicando que nas empresas da amostra a divulgação de despesas com P&D não impactou o valor da firma. Observa-se que foi encontrada uma associação significante entre o Q de Tobin e a variável governança corporativa, havendo indícios de que a participação de empresas em níveis diferenciados de governança corporativa, com provável redução da assimetria informacional, influencia o valor da empresa.

Dessa forma, rejeita-se a terceira hipótese (H3), de que as empresas que divulgam despesas com P&D obtêm maior valorização no mercado. Verifica-se que a rentabilidade (RENT) apresentou coeficiente positivo e significante a 1%, havendo, portanto, indícios de que o valor da firma aumenta proporcionalmente ao aumento da rentabilidade. Os setores Consumo Cíclico, Saúde e Tecnologia da Informação apresentaram coeficientes positivos e significantes.

5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Investigou-se a influência da divulgação de despesas com P&D no nível de inovação nas empresas brasileiras listadas na B3 no triênio 2015-2017. Para realização das análises e avaliação das hipóteses, foram utilizados o teste de Mann-Whitney, os modelos de regressão logística e o Método dos Mínimos Quadrados Ordinários.

De acordo com os resultados da estatística descritiva e do teste de Mann-Whitney, as empresas que divulgam as despesas com P&D apresentam maior número médio de patentes comparativamente àquelas que não as divulgam; logo, podem ser consideradas de nível mais elevado de inovação. Entretanto, nas empresas da amostra os resultados da regressão não confirmaram a influência da divulgação das despesas com P&D sobre o nível de inovação, haja vista que não foi observada uma correlação significante entre as empresas que divulgam as despesas com P&D e os respectivos números de patentes registradas.

Esses resultados estão alinhados com aqueles evidenciados por Koh e Reeb (2015), e corroboram o entendimento de que a não divulgação de P&D não necessariamente indica que as empresas não implementem inovação ou não desempenhem atividades de P&D, porquanto as que não divulgam despesas com P&D também detêm patentes registradas. Destaque-se que o número de patentes registradas pela empresa tem sido apontado como uma medida primária de inovação e de progresso tecnológico (Hall et al., 2005; Pandit et al., 2011).

Convergente com o entendimento de Assunção et al. (2017) e Silva et al. (2018), de que as empresas com nível mais elevado de governança corporativa são mais transparentes e reportam informações completas, verificou-se que as empresas não participantes dos níveis diferenciados de governança corporativa apresentaram menor propensão a divulgar as despesas com P&D, comparativamente às do outro grupo. Assim, as empresas que participam dos níveis diferenciados de governança corporativa são consideradas mais transparentes e com nível mais baixo de assimetria informacional.

Considerando-se que a maioria das empresas da amostra não divulga as despesas com P&D, observa-se que elas podem não considerar que os benefícios da divulgação das despesas com P&D são superiores aos benefícios da não divulgação, já que, segundo Healy e Palepu (2001), as empresas recebem incentivos para otimizar os custos e benefícios da divulgação, e, para tanto, os gestores utilizam seu poder de discricionariedade para decidir quanto à classificação das despesas com P&D e limitar essa informação a apenas alguns usuários, para atingir e atender a objetivos específicos, como defendido por Gigler (1994) e Koh e Reeb (2015).

Observa-se também que não foram encontrados indícios de que a divulgação de despesas com P&D impacta o valor da firma, apesar de ter sido evidenciado que as empresas que divulgam essa informação apresentam Q de Tobin em média superior ao das empresas que não a divulgam. Assim, constata-se que esse resultado vai de encontro ao defendido por Daniel et al. (2001) e Watson et al. (2002).

Adiciona-se que, consoante a Bushee (1998) e Cohen et al. (2013) que aduzem que a avaliação do reflexo das despesas de uma empresa com P&D é um componente crítico da avaliação do seu valor de longo prazo, esse resultado leva a inferir que no Brasil os agentes do mercado de capitais podem não vir considerando o efeito futuro das despesas com P&D no fluxo de caixa e no retorno dos títulos, alinhados com o argumentado por Cohen et al. (2013), de que algumas atividades, inclusive P&D, apresentam níveis mais altos de incerteza quanto aos seus reflexos nos fluxos de caixa futuros. Entretanto, segundo Kothari et al. (2002), embora mais voláteis do que os gastos de capital, os gastos da empresa com P&D proporcionam benefícios tangíveis a longo prazo.

Os achados do estudo possibilitam a pesquisadores e profissionais a percepção de que as decisões dos gestores e proprietários, quanto à divulgação de P&D, podem influenciar (ou não) o perfil inovativo da empresa e sua valorização em mercados emergentes, como o Brasil.

6 CONCLUSÕES

Com base nas empresas da amostra, conclui-se que o nível de inovação não é influenciado pela divulgação de despesas com P&D, corroborando os resultados de Koh e Reeb (2015). Esse resultado revela também que as empresas além de não divulgarem as despesas com P&D podem não vir registrando seus avanços tecnológicos, como verificado por Arundel e Kabla (1998), que estimaram em menos de 40% as empresas que registram patentes, apesar de o registro ser uma forma de proteger o conhecimento gerado internamente, proveniente do processo de P&D (Gallini, 2002).

No que tange à governança corporativa, os resultados revelaram que as empresas listadas nos níveis diferenciados de governança corporativa têm maior inclinação para divulgar as despesas com P&D em comparação com as empresas do outro grupo, corroborando estudos segundo os quais a adoção de boas práticas de governança corporativa proporciona maior transparência e integridade das informações, como os de Assunção et al. (2017) e Silva et al. (2018), resultando em menor assimetria informacional e qualidade das demonstrações financeiras para os usuários externos.

Os resultados mostraram que nas empresas da amostra a divulgação de despesas com P&D não influencia os respectivos valores de mercado, sinalizando que provavelmente os investidores e intermediários financeiros, como, por exemplo, os analistas financeiros, podem estar desconsiderando essa informação em decorrência da baixa qualidade de informações sobre as despesas com P&D, já que muitas empresas podem classificar e evidenciar tais despesas como Outras despesas.

Dessa forma, não pode ser rejeitada a hipótese H2, de que a divulgação das despesas com P&D está associada a um nível mais elevado de governança corporativa. Entretanto, rejeitam-se as hipóteses de que as empresas que divulgam as despesas com P&D apresentam nível mais alto de inovação comparativamente àquelas que não as divulgam (H1) e de que as do primeiro grupo têm maior valorização no mercado (H3).

Este estudo fornece evidências de que a divulgação de despesas com P&D não influencia o nível de inovação nas empresas com ações negociadas no mercado de capitais brasileiro. Na prática, esses resultados sinalizam, principalmente para órgãos reguladores, que os gestores podem vir utilizando seu poder de discricionariedade, e, conscientemente, não segregando as despesas com P&D de Outras despesas, dificultando a transparência das informações contábeis, conforme indicado por Horwitz e Kolodny (1980) e McVay (2006). Ademais, esses resultados apresentam indícios da baixa qualidade das informações divulgadas pelas empresas listadas na B3 para investidores e intermediários da informação, haja vista que, como muitas empresas não divulgam suas despesas com P&D, elas demonstram que a não divulgação de despesas com P&D não é suficiente para se supor que a empresa não realiza P&D, e que quando divulgam despesas nesse segmento, isso não necessariamente é indicativo de sucesso em inovação.

Para pesquisas futuras, sugere-se a realização de estudos que investiguem e comparem a divulgação de despesas com P&D em mercados de capitais de outros países, com a finalidade de verificar a influência da divulgação para os usuários externos, principalmente investidores, credores e analistas financeiros. Sugere-se ainda que sejam investigados a associação da divulgação de P&D no retorno futuro das empresas em diversos mercados.

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4 marciammdeluca@gmail.com. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE. Brasil. http://orcid.org/0000-0002-9995-5637

DOI: http://dx.doi.org/10.14392/asaa.2020130210

Artigo apresentado no XIII Congresso ANPCONT, em São Paulo, realizado no período de 15 a 18 de junho de 2019.

Artigo submetido em: 04/12/2019. Revisões requeridas em: 01/06/2020. Aceito em: 13/07/2020.