INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA ACERCA DA RELAÇÃO ENTRE SEXO E DESEMPENHO ACADÊMICO NA EDUCAÇÃO CONTÁBIL
Vitor Hideo Nasu1
Resumo: O estudo objetivou investigar a relação entre o sexo e o desempenho de alunos de contabilidade em condições acadêmicas e socioeconômicas distintas e similares. Desse modo, foram usados os microdados do ENADE 2015, obtendo-se uma amostra de 21.200 observações. Em condições distintas, os testes de média indicaram que o desempenho dos alunos foi superior aos das alunas. Para tentar explicar esse achado, foi efetuada a análise de correspondência múltipla, a qual apontou que os alunos estão mais associados a faixas mais elevadas de horas de estudo, de renda familiar e ao status de solteiro, enquanto as alunas estão mais associadas a faixas de renda familiar e de horas de estudo mais baixas, bem como ao estado civil de casada. Desta forma, esses fatores foram controlados nos modelos de regressão logística, os quais continuaram a indicar que os alunos performaram melhor do que as alunas em condições distintas. Contudo, quando os desempenhos dos estudantes foram analisados em condições similares, não houve diferença estatisticamente significante. Duas implicações surgem dos achados. Primeiro, o formato e as políticas de atribuição de pontos devem ser repensadas a fim de favorecer equivalentemente os alunos do sexo masculino e feminino. Este ponto não só serve para o ENADE, mas principalmente para as avaliações discentes nos cursos de graduação. E, em segundo lugar, o fornecimento de condições acadêmicas e socioeconômicas similares aos alunos e alunas ajuda a explicar a redução da diferença no seu desempenho acadêmico, o qual passou a ser estatisticamente irrelevante. Apesar desta implicação envolver instâncias que estão além do escopo da educação contábil, não a isenta de encorajar e implantar formas mais justas de processos avaliativos em se tratando de sexo dos indivíduos.
Keywords: Sexo, Performance acadêmica, Educação, Alunos, Ciências contábeis.
EMPIRICAL INVESTIGATION ON THE RELATIONSHIP BETWEEN SEX AND ACADEMIC PERFORMANCE IN ACCOUNTING EDUCATION
Abstract: The study aimed to investigate the relationship between accounting students’ sex and performance in distinct and similar academic and socioeconomic conditions. Hence, the microdata of the ENADE 2015 were used, obtaining a sample of 21,200 observations. In different conditions, the tests of means indicated that the male students’ performance was higher than the female students’. In order to explain this finding, multiple correspondence analysis was carried out, which pointed out that male students are more associated with higher hours of study, family income, and the single civil status, while female students are more associated with lower family income and lower hours of study, as well as with marital civil status. Thus, these factors were controlled in the logistic regression models, which continued to indicate that the male students performed better than the female ones under different conditions. However, when student performances were analyzed under similar academic and socioeconomic conditions, there was no statistically significant difference. Two implications arise from these findings. First, since there is evidence that male students perform better on objective questions and female students on open-ended questions, the format and / or weight of the questions in assessments need to be designed in a way that favor equivalently both sexes. And second, providing equivalent academic and socio-economic conditions to students help in explaining the reduction of differences in their academic performance, which became to be statistically irrelevant. Although this implication involves instances that are beyond the scope of accounting education, it does not exempt it from encouraging and implementing fairer forms of evaluative processes when it comes to the sex of the individuals.
Keywords: Sex, Academic performance, Education, Students, Accounting.
INTRODUÇÃO
A relação entre sexo1 e desempenho acadêmico de alunos de contabilidade tem chamado atenção de diversos pesquisadores ao longo do tempo. Ravenscroft e Buckless (1992), por exemplo, referenciam diversas pesquisas que datam das décadas de 1980 e 1990 publicadas, essencialmente, na Issues in Accounting Education. Hanks e Shivaswamy (1985), Buckless, Lipe e Ravenscroft (1991) e Tho (1994) são outros estudos do século passado. A manutenção desse interesse ocorre porque o sexo pode ter múltiplas implicações para a performance dos indivíduos e se acentua à medida que traz à tona discussões contemporâneas, como, por exemplo, sobre equidade de gênero.
Os cenários da educação superior e profissional da contabilidade no Brasil vêm se modificando nas últimas décadas em termos proporção de mulheres e homens. Segundo o Conselho Federal de Contabilidade (CFC, 2019), as mulheres representavam 42,69% (221.046 contabilistas) do total de profissionais contábeis até junho de 2019. A representatividade feminina tende a continuar crescendo, visto que 69% das vagas nas universidades eram ocupadas por alunas em 2016 (CFC, 2016).
Hanks e Shivaswamy (1985) indicam que quando a quantidade de profissionais contábeis dos sexos masculino e feminino se encontrar equilibrada, novos estudos são necessários. O que está começando a ser o caso do cenário brasileiro. Em adição, Ravenscroft e Buckless (1992) argumentam que modificações no panorama do ensino superior em contabilidade referente ao sexo dos estudantes constituem oportunidades de pesquisas importantes, sobretudo, acerca do seu reflexo no desempenho acadêmico. O sexo do estudante pode indicar diferenças comportamentais e de hábitos acadêmicos, originando distintas consequências. De acordo com Guney (2009), diferenças no desempenho concernentes ao gênero têm implicações nas escolhas de carreira, na decisão por se inscrever em certas disciplinas, no uso do conhecimento e assim por diante. Alunos e alunas também podem reagir diferentemente a políticas e critérios de avaliação, devido à sua forma histórica de se socializar e à necessidade de trabalho (Ravenscroft & Buckless, 1992). Além disso, o sexo pode afetar a motivação discente de modo distinto e, consequentemente, a performance acadêmica (Guney, 2009).
Na análise da relação entre o sexo e o rendimento acadêmico, é necessária a consideração das condições que cercam os alunos e alunas a fim de tornar os resultados mais apurados. Ainda que estudos prévios tenham levado em conta as variáveis de controle (Byrne & Flood, 2008; Nogueira, Costa, Takamatsu, & Reis, 2013; Seow, Pan, & Tay, 2014), não reportaram resultados sobre o desempenho acadêmico em condições similares (ex: comparação do desempenho de alunos e alunas de mesma faixa de renda, idade, educação dos pais etc.), talvez porque o tamanho amostral era relativamente pequeno. Desta forma, o objetivo do presente estudo consiste em analisar a relação entre o sexo e o desempenho acadêmico de alunos de contabilidade a partir de condições acadêmicas e socioeconômicas distintas e similares que os cercam e os caracterizam.
Os resultados sobre o impacto do sexo do estudante na performance acadêmica na área de negócios, e especificamente no campo contábil, ainda permanecem conflitantes e, portanto, inconclusivos (Gammie, Paver, Gammie, & Duncan, 2003; Jackling & Anderson, 1998; Koh & Koh, 1999; Lane & Porch, 2002; Miranda, Lemos, Oliveira, & Ferreira, 2015; Okafor & Egbon, 2011; Ravenscroft & Buckless, 1992). Este estudo visa contribuir com a literatura empírica sobre o tópico ao oferecer novas evidências obtidas a partir da análise de quantidade massiva de estudantes em condições acadêmicas e socioeconômicas similares e diferentes. A falta de resultados sistemáticos concernentes à relação entre sexo e desempenho acadêmico reforça a necessidade de maiores investigações.
Este estudo também contribui com a discussão sobre a forma de avaliação de indivíduos em provas de concursos, provas acadêmicas, exame de suficiência do CFC etc. Arthur e Everaert (2012) encontraram evidências de que alunos obtêm melhores performances quando as questões são de múltipla-escolha, enquanto as alunas têm desempenho superior em questões discursivas. Especialmente em provas de concursos e de avaliação nacional, as questões são usualmente de múltipla-escolha, o que, conforme os achados de Arthur e Everaert (2012), favoreceriam mais os candidatos do sexo masculino. Nesse sentido, este estudo visa chamar atenção para o formato das questões de processos avaliativos e políticas de atribuição de pontos.
2 LITERATURA E HIPÓTESES
2.1 Representatividade de sexo na contabilidade
A representatividade feminina na área contábil vem crescendo nos contextos nacional e internacional, embora o campo ainda possa ser visto como dominado pelo sexo masculino (Bruce-Twum, 2013). Na Irlanda, por exemplo, Flynn, Earlie e Cross (2015) afirmam que os homens predominam na atividade contábil do país. O mesmo pode ser observado para a esfera nacional, em que a maioria ainda é homem (CFC, 2019), mesmo que o cenário tenda a se inverter nos próximos anos.
Nos Estados Unidos, os relatórios do American Institute of Chartered Public Accountants (AICPA, 2015, 2017) apontam que há significativo crescimento do interesse das mulheres pela profissão contábil. A Figura 1 mostra o número de matrículas por sexo nos cursos de graduação e de mestrado americanos. Percebe-se que o sexo masculino é ligeiramente mais presente nos cursos de graduação (53%), enquanto as mulheres são maioria nos de mestrado (51%). Apesar disso, e notável que o cenário estadunidense está bem equilibrado. O relatório anterior mostra cenário similar (AICPA, 2015).
Figura 1 - Número de inscritos na graduação e no mestrado nos Estados Unidos, por sexo
Fonte: AICPA (2017).
No Brasil, as estatísticas mostram que o ensino superior em ciências contábeis já é predominado pelas mulheres (69%), conforme o CFC (2016). Isso sugere que a composição dos profissionais contábeis em atividade deve se modificar, com a superação do sexo masculino pelo feminino nos próximos anos.
A proporção entre sexo nos ambientes organizacionais é relevante na extensão em que este aspecto pode ter implicações em múltiplas esferas. Conforme Flynn et al. (2015) sustentam, processos de promoção e avaliação de performance são práticas corporativas que são utilizadas para legitimar a dominação do sexo masculino e restringir o avanço da carreira profissional das mulheres. Os critérios de promoção e avaliação da performance são usualmente elaborados e ponderados por atributos mais presentes em homens do que em mulheres (Flynn et al., 2015). O mesmo pode estar ocorrendo em avaliações acadêmicas, visto que o uso de questões objetivas é bastante usual e que há evidências de que alunos se sobressaem em relação às alunas nesse tipo de questão (Arthur & Everaert, 2012).
Similarmente, Lehman (2012) oferece reflexão sobre a clássica questão da distinção salarial entre homens e mulheres. As mulheres têm menor remuneração comparativamente aos homens em todos os países, em quase todas as categorias de trabalho e em qualquer sistema econômico (Lehman, 2012). Desta forma, diferenças de gênero no ambiente organizacional têm implicações que envolvem questões relevantes, como a justiça nas organizações. Apesar dos pontos discutidos, os dados do AICPA (2015), retratados na Figura 2, mostram que havia abertura do mercado de trabalho para as mulheres graduadas e mestres em contabilidade por firmas CPA desde o início do século XXI, até mais elevada que a dos homens, talvez pela quantidade de mulheres que se formavam na profissão proximamente aos anos 2000, como indicam Hanks e Shivaswamy (1985) e Ravenscroft e Buckless (1992) sobre o crescimento do ingresso de mulheres no ensino superior em contabilidade nos Estados Unidos. Em 2013 e 2014, as contratações foram estabilizadas.
Figura 2 - Tendências de contratação de graduados e mestres em contabilidade por firmas CPA
Fonte: AICPA (2015).
A representatividade das mulheres em países em desenvolvimento também vem aumentando. Em Ghana, por exemplo, há constante admissão das mulheres pelo Institute of Chartered Accountants ganense, com ingresso de 91 mulheres de 2008 a 2011 contra somente uma no período de 1973 a 1977 (Bruce-Twum, 2013). No Brasil, à medida que a representatividade do sexo feminino na profissão contábil se eleva, naturalmente o mercado de trabalho abre espaço para as mulheres, até em virtude da demanda geral por trabalhadores. De qualquer forma, a inversão do cenário profissional de contabilidade brasileiro, em se tratando de gênero, poderá constituir terreno fértil para novas pesquisas relacionadas às distinções entre sexos em circunstâncias predominadas por mulheres.
Finalmente, destaca-se que esforços têm sido realizados em direção à valorização da mulher na contabilidade. Em âmbito internacional, por exemplo, tem-se a criação do Women’s Initiatives Executive Comittee (WIEC) pela AICPA, que acredita que educar a profissão para questões verdadeiramente fundamentais e advogar a favor de iniciativas associadas às mulheres levará o avanço destas a posições de liderança (AICPA, 2018). Adicionalmente, o WIEC trata de outros aspectos, como a progressão da mulher e diversidade na profissão contábil. Nacionalmente, tem-se a criação do Projeto Mulher Contabilista do CFC na década de 1990, o qual vem apoiando eventos específicos para discussões sobre a mulher na contabilidade, como os Encontros Nacionais da Mulher Contabilista.
2.2 Relação entre sexo e performance acadêmica na área de negócios
A relação entre sexo e desempenho vêm sendo explorada na área de negócios tanto como tópico central (Ameen, Guffey, & McMillan, 1996; Buckless et al., 1991; Busch, 1995; Gammie et al., 2003; Okafor & Egbon, 2011; Paver & Gammie, 2005; Ravenscroft & Buckless, 1992), como em conjunto com outros preditores da performance acadêmica (Alanzi, 2015; Alhajarf, N.M., & Alasfour, 2014; Byrne & Flood, 2008; Gracia & Jenkins, 2003; Guney, 2009; Koh & Koh, 1999; Nogueira et al., 2013; Santos, 2012; Seow et al., 2014; Surridge, 2009; Tho, 1994), obtendo-se resultados contraditórios.
Buckless et al. (1991) avaliaram o impacto do sexo dos alunos e dos professores no desempenho acadêmico dos alunos, controlando por potenciais fatores que geraram resultados conflitantes de estudos prévios. Foram coletados dados de desempenho de mais de 1.000 discentes em três disciplinas de contabilidade financeira introdutória e em uma disciplina de contabilidade financeira intermediária de três instituições (para mais detalhes, ver tabelas 1 e 2 de Buckless et al. (1991)). De acordo com as análises estatísticas, verificaram-se dois resultados: (i) casos em que os alunos têm performances mais elevadas do que as alunas, e (ii) casos em que não há diferença entre os desempenhos de alunos e alunas.
Tho (1994) estudou os fatores determinantes da performance acadêmica de 615 alunos da Faculty of Economics and Administration dos anos de 1989 (n = 288) e 1990 (n = 327). A análise de regressão por stepwise mostrou que o gênero feminino tem efeito relevante sobre o desempenho acadêmico (coef. padronizado = 0,04; p < 0,10). Todavia, a magnitude do impacto pode ser considerado baixa, além de ser significante apenas ao nível de 0,10.
Busch (1995) investigou diferenças de gênero na autoeficácia e desempenho acadêmico de 154 graduandos (masculino = 50%; feminino = 50%) de administração de empresas. Os resultados dos testes t que concernem ao gênero mostraram diferenças significantes apenas para a disciplina de estatística (p < 0,05), sendo que as alunas obtiveram melhor desempenho. Entretanto, para nenhuma das outras cinco disciplinas obrigatórias do primeiro ano (marketing, comportamento organizacional, contabilidade, computação, matemática) foram constatadas diferenças significantes (p > 0,10).
Koh e Koh (1999) pesquisaram os determinantes do desempenho acadêmico de 526 alunos (feminino = 67,9%; masculino = 32,1%) de um programa de graduação de turno integral com duração de três anos da Nanyang Business School, em Singapura. Conforme os resultados da regressão, verificou-se que alunos obtiveram performance superior às alunas no primeiro e segundo anos do curso (p < 0,05). Entretanto, não foi encontrada diferença significante para o terceiro ano.
Gammie et al. (2003) orquestraram um trabalho que objetivou analisar as diferenças de gênero na educação contábil. Para tanto, coletaram dados de 132 estudantes de contabilidade e finanças (masculino = 48%; feminino = 52%) durante o período de 1998 a 2000. Os resultados das análises estatísticas indicaram que o gênero feminino obteve melhor performance do que o masculino em contabilidade do primeiro ano (p < 0,05) e nos módulos de auditoria do terceiro ano (p < 0,01). Contudo, em outras quatro disciplinas do primeiro ano (economia, negócios, comportamento organizacional e métodos quantitativos de negócios) e três do segundo (contabilidade financeira, contabilidade gerencial e finanças para negócios) não houve distinção estatisticamente significante.
Gracia e Jenkins (2003) exploraram os determinantes do desempenho acadêmico de 102 alunos do segundo ano e 118 do terceiro ano do curso de contabilidade e finanças dos períodos acadêmicos 1999-2000 e 2000-2001. Conforme o teste t e a análise de regressão, foram encontradas evidências que sustentam que alunas possuem melhor desempenho do que alunos (p < 0,01).
Byrne e Flood (2008) desenvolveram um estudo que visou constatar a relação entre desempenho e variáveis de base (ex: conhecimento prévio de contabilidade) de 121 estudantes (masculino = 59,5%; feminino = 40,5%) do primeiro ano do curso de contabilidade e finanças do ano acadêmico 2004-2005 da Dublin City University, Irlanda. A análise de regressão mostrou que o gênero não possui efeito significante (p > 0,10) sobre as performances (contabilidade financeira, contabilidade gerencial e desempenho geral do primeiro ano).
Surridge (2009) utilizou a base de dados de uma universidade do Reino Unido para verificar fatores determinantes da performance acadêmica, com foco no determinante estágio (internship), do período de 2004 a 2006. Ao todo, foram analisados 236 estudantes de contabilidade e finanças de graduação (n = 236) e pós-graduação (n = 184). De acordo com os resultados das regressões múltiplas, o gênero é fator relevante explicativo apenas para os primeiros anos dos cursos de graduação e pós-graduação (p < 0,05). No caso, as mulheres têm melhor performance do que os homens. Entretanto, para os segundos, terceiros e quartos anos dos cursos não há diferença estatisticamente significante (p > 0,10).
Arthur e Everaert (2012) analisaram o impacto do gênero no desempenho acadêmico a partir de uma amostra de 455 graduandos (masculino = 60%; feminino = 40%) focando no formato das avaliações de contabilidade (múltipla-escolha e questões de construção de resposta) em uma universidade da Bélgica. Consoante os testes estatísticos, foi verificado que, de modo geral, o gênero feminino impacta positivamente o desempenho acadêmico dos alunos de contabilidade (p < 0,01), sobretudo, em questões de construção de respostas (perguntas abertas). Entretanto, alunos do sexo masculino possuem relativa vantagem no caso de questões de múltipla-escolha (p < 0,05). Por fim, para enrobustecer a análise, o estudo foi replicado com 111 alunos de pós-graduação, obtendo-se resultados similares.
Santos (2012) investigou os determinantes do desempenho acadêmico de alunos de ciências contábeis no Brasil. Para tanto, coletaram-se dados do Provão de 2002, Provação de 2003 e do ENADE 2006. Os resultados dos modelos hierárquicos lineares indicaram que alunos do sexo masculino obtiveram melhor performance comparativamente aos do sexo feminino (p < 0,01).
Seow et al. (2014) examinaram os determinantes da performance acadêmica de 823 alunos concluintes (feminino = 62,5%; masculino = 37,5%) do curso de contabilidade na Singapore Management University. Os dados foram obtidos da base de dados da universidade e os resultados da regressão indicaram que o gênero masculino tem impacto positivo no desempenho (coef. = 0,199; p < 0,01).
No Brasil, Nogueira et al. (2013) investigaram os determinantes do desempenho acadêmico, focando-se os estilos de aprendizagem, com 208 estudantes de contabilidade (feminino = 51,92%; masculino = 48,08%) do período noturno no ensino presencial. A análise de regressão múltipla apontou que a variável gênero não é relevante para explicar a performance discente (p > 0,10).
Além de Byrne e Flood (2008) e Nogueira et al. (2013), outras pesquisas (Alanzi, 2015; Guney, 2009; Hanks & Shivaswamy, 1985; Okafor & Egbon, 2011; Paver & Gammie, 2005) constataram que o sexo não tem relação com o desempenho. Estes achados são consistentes com a revisão de literatura de Miranda et al. (2015), a qual aponta que os resultados permanecem inconclusivos para o gênero como fator explicativo da performance acadêmica. Desta forma, Byrne e Flood (2008) sustentam que os efeitos no desempenho decorrentes do gênero não são mais relevantes, dada a conjuntura contemporânea mais balanceada que a educação contábil apresenta. A Tabela 1 reporta um resumo da literatura empírica.
Tabela 1 - Resumo da revisão da literatura empírica sobre sexo e desempenho
Estudo |
Resultados |
||
Significante masculino |
Significante feminino |
Não significante |
|
Hanks e Shivaswamy (1985) |
|
|
X |
Buckless et al. (1991) |
X |
X |
|
Ravenscroft e Buckless (1992) |
X (quando as tarefas não fazem parte da nota final da disciplina) |
X (quando as tarefas fazem parte da nota final da disciplina) |
|
Tho (1994) |
X |
||
Busch (1995) |
X (estatística) |
X (marketing, contabilidade, comportamento organizacional, computação e matemática) |
|
Koh e Koh (1999) |
X (1º e 2º anos) |
X (3º ano) |
|
Gammie et al. (2003) |
X (contabilidade e auditoria) |
X (economia, negócios, comportamento organizacional e métodos quantitativos) |
|
Gracia e Jenkins (2003) |
X |
||
Paver e Gammie (2005) |
X |
||
Byrne e Flood (2008) |
X |
||
Guney (2009) |
X |
||
Surridge (2009) |
X (primeiros anos) |
X (3º e 4º anos) |
|
Okafor e Egbon (2011) |
X |
||
Arthur e Everaert (2012) |
X (questões objetivas) |
X (questões discursivas) |
|
Santos (2012) |
X |
||
Seow et al. (2014) |
X |
||
Nogueira et al. (2013) |
X |
||
Alanzi (2015) |
|
|
X |
Total |
6 |
7 |
12 |
Fonte: elaborado pelos autores
Desta forma, tomando como base a literatura prévia e os achados empíricos em diferentes países e ao longo do tempo, levantam-se as seguintes hipóteses:
H1 Não há diferença entre a performance de alunos e alunas de ciências contábeis em condições acadêmicas e socioeconômicas distintas.
H2 Não há diferença entre a performance de alunos e alunas de ciências contábeis em condições acadêmicas e socioeconômicas similares.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1 Dados, população e amostra
O estudo utilizou os microdados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2015 que são de responsabilidade do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Nacionais Anísio Teixeira (INEP). A escolha por tais dados é vantajosa porque o ENADE possui grande quantidade de observações que estão disponibilizados publicamente. Ressalta-se que, no momento da coleta de dados desta pesquisa (outubro de 2017), o ENADE 2015 era a última edição que os estudantes de contabilidade tinham realizado e cujos dados estavam disponíveis.
Em relação ao tratamento dos dados, o pesquisador, em primeiro lugar, filtrou do banco de dados somente os alunos de contabilidade, obtendo-se a população de 65.483 observações. Na sequência, foram realizadas etapas de exclusão de observações, conforme mostra a Tabela 2.
Tabela 2 - Etapas para a formação da amostra
Etapas |
Frequência |
% |
População (curso de ciências contábeis) |
65.483 |
100,0 |
(-) Alunos ausentes no ENADE |
(10.112) |
(15,4) |
(-) Participação indevida (implantado sem liminar) |
(105) |
(0,2) |
(-) Resultados desconsiderados devido a problemas administrativos |
(46) |
(0,1) |
(-) Protesto |
(92) |
(0,1) |
(-) Prova não realizada por problemas administrativos |
(3) |
(0,0) |
(-) Ao menos uma parte das provas objetiva e discursiva deixada em branco |
(33.217) |
(50,7) |
(-) Questões anuladas ou desconsideradas |
(705) |
(1,1) |
(-) Desempenhos vazios (missings) no banco de dados |
(3) |
(0,0) |
(=) Amostra final |
21.200 |
32,4 |
Fonte: elaborado pelos autores
Tais etapas visaram eliminar dados de baixa confiabilidade, como, por exemplo, aqueles desempenhos que tiveram problemas administrativos ou cujas provas tiveram questões anuladas ou desconsideradas. A escolha pela exclusão de alunos que deixaram ao menos uma parte da prova do ENADE em branco objetivou deixar os desempenhos mais comparáveis e menos suscetíveis a erros de interpretação. Ao se realizar esta etapa, eliminaram-se aqueles estudantes que não estavam interessados em fazer o exame ou que compareceram com o intuito de apenas cumprir com a obrigatoriedade da presença para assegurar a sua formatura no curso. Após as etapas de exclusão, obteve-se uma amostra de 21.200 alunos, o que ainda constitui um número expressivo e que representa 32,4% da população.
3.2 Variáveis do estudo
O ENADE examina o conhecimento discente em dois conteúdos: (i) de formação geral, em que há questões sobre responsabilidade social, avanço tecnológico, artes, globalização etc. e (ii) componente específico, em que há questões específicas sobre o curso de graduação do aluno. Em particular, as questões eram referentes aos conteúdos de ciências contábeis, como contabilidade financeira, teoria da contabilidade, contabilidade de custos etc. O desempenho final era mensurado pela média ponderada da nota nas questões de formação geral (25%) e de componente específico (75%). O aluno era avaliado, em cada conteúdo, por meio de questões objetivas e discursivas.
Além da coleta dos desempenhos acadêmicos, a consideração de outras variáveis é necessária a fim de controlar a análise da relação entre sexo e performance discente. A Tabela 3 reporta as variáveis do estudo.
Tabela 3 - Variáveis do estudo
Variável |
Sigla |
Mensuração |
Nota nas questões objetivas de formação geral |
NOFG |
0 a 100 pontos. |
Nota nas questões discursivas de formação geral |
NDFG |
0 a 100 pontos. |
Nota de formação geral |
NFG |
0 a 100 pontos. |
Nota nas questões objetivas de conhecimento específico |
NOCE |
0 a 100 pontos. |
Nota nas questões discursivas de conhecimento específico |
NDCE |
0 a 100 pontos. |
Nota de componente específico |
NCE |
0 a 100 pontos. |
Nota geral |
NGE |
0 a 100 pontos. |
Nota geral 21 |
NGE2 |
Transformação da NGE em variável categórica (Baixa, Média-baixa, Média-alta, Alta). |
Sexo do aluno |
SEX |
Binária (Masculino = 1; Caso contrário = 0). |
Idade do aluno |
IDA |
Idade do aluno, em anos. |
Idade do aluno 2 |
IDA2 |
Transformação da IDA em variável categórica (Muito jovem, Jovem, Velho, Muito velho). |
Modalidade de ensino |
MOD |
Binária (Presencial = 1; EaD = 0). |
Trabalho |
TRB |
Binária (Trabalha = 1; Caso contrário = 0). |
Horas de estudo por semana |
HES |
Binária para cada categoria (Nenhuma3, 1-3h, 4-7h, 8-12h, 12h+). |
Estado civil do aluno |
ECIV |
Binária para cada categoria (Outro3, Casado, Solteiro). |
Etnia do aluno |
ETN |
Binária para cada categoria (Outro3, Branco, Negro, Pardo/Mulato). |
Renda familiar mensal |
REN |
Binária para cada categoria (Até 1,5 sm23, de 1,5 a 3,0 sm, de 3,0 a 4,5 sm, de 4,5 a 6,0 sm, 6,0+ sm). |
Nível de educação do pai e da mãe |
EDP/EDM |
Binária para cada categoria (Nenhum3, Fundamental I, Fundamental II, Médio, Superior, Pós-graduação). |
Nota.1A nota geral e a idade foram transformadas em variáveis qualitativas (“NGE2” e “IDA2”) a partir de seus quartis: valor mínimo ao 1º quartil = “Nota baixa” e “Muito jovem”; 1º ao 2º quartil = “Nota baixa-média” e “Jovem”; 2º ao 3º quartil = “Nota média-alta” e “Velho”; 3º quartil ao valor máximo = “Nota alta” e “Muito velho”. Isso foi feito objetivando a viabilização da análise de correspondência, dos modelos logísticos e dos testes de média em condições similares. 2sm = salário-mínimo. 3 Categoria de referência nos modelos logísticos.
O sexo, a idade, a modalidade de ensino, o trabalho, as horas de estudo por semana, o estado civil, a etnia, a renda familiar e a educação dos pais são variáveis que o ENADE disponibiliza e que podem ser importantes para explicar o desempenho acadêmico (Miranda et al., 2015). Por isso, foram coletadas também. Enfatiza-se que as variáveis qualitativas foram mensuradas por n-1 variáveis binárias (dummies), sendo n o número total de categorias da variável, conforme orientam Fávero (2015) e Wooldridge (2015) para a correta geração e interpretação dos resultados. As análises foram realizadas por meio do software Stata.
3.3 Procedimentos de análise
Os dados foram inicialmente analisados pelas estatísticas descritivas do perfil dos estudantes. Posteriormente, os desempenhos foram comparados por meio de testes t de Welch para verificar diferenças significantes (hipótese 1), considerando as distintas características sociais e acadêmicas dos alunos. Para entender esses resultados, prosseguiu-se com a análise de correspondência múltipla (ACM) para visualizar a associação entre o sexo e demais variáveis sociodemográficas.
Na sequência, foram estimados dois modelos de regressão logística multinomial2: (i) “simples” e (ii) “completo”. O modelo simples considerou apenas a relação entre a variável SEX e NGE2, sem a consideração de outros fatores socioeconômicos e acadêmicos. O modelo completo, por outro lado, considerou, além da variável SEX, as de controle também. A especificação geral do modelo logístico está representada na equação 1 a seguir.
Zim = am + b1m.X1i +b2m.X2i + … + bkm.Xki (1)
Em que Zim = variável de resposta com mais de duas categorias (NGE2); am = constante de cada categoria da variável dependente; e X1i-Xki = 1 a k-variáveis explicativas (SEX, IDA, MOD, TRB, HES, ECIV, ETN, REN, EDP e EDM); b1m-bkm = parâmetros a serem estimados. Os modelos foram reportados com base na taxa de risco relativa (relative risk ratio – RRR), sendo usados para testar a hipótese 1 de forma complementar.
Finalmente, o banco de dados foi tratado a fim de selecionar os alunos e alunas que possuíam condições acadêmicas e socioeconômicas similares (mesmas características em todas as variáveis do estudo). Após esta etapa, compararam-se os desempenhos por meio de testes de média (testes t de Welch). Este procedimento visou testar a hipótese 2.
4 RESULTADOS
A Tabela 4 mostra o perfil dos alunos participantes da pesquisa filtrados por sexo. A idade média dos estudantes é de 28,19 anos (desvio-padrão = 7,02 anos). Verifica-se que a maioria é do sexo feminino (61,0%; 12.932 alunas), estuda de forma presencial (75,2%), é solteira (65,3%), se considera branca (57,3%), possui renda familiar mensal na faixa de 1,5 a 3,0 salários mínimos (28,5%), trabalha (85,8%) e que declarou estudar de 1 a 3 horas semanais (51,3%). O nível de educação dos pais (37,3%) e das mães (32,4%), da maioria dos estudantes, se concentra no ensino fundamental I.
Tabela 4 - Características dos alunos
Variável |
Masculino (n=8.268) |
Feminino (n=12.932) |
Total (n=21.200) |
|||
Freq. |
% |
Freq. |
% |
Freq. |
% |
|
IDA (média e desvio-padrão) |
28,78 |
7,44 |
27,81 |
6,70 |
28,19 |
7,02 |
MOD |
8.268 |
100,0 |
12.932 |
100,0 |
21.200 |
100,0 |
Presencial |
6.243 |
75,5 |
9.700 |
75,0 |
15.943 |
75,2 |
EaD |
2.025 |
24,5 |
3.232 |
25,0 |
5.257 |
24,8 |
ECIV |
8.234 |
100,0 |
12.898 |
100,0 |
21.132 |
100,0 |
Solteiro |
5.431 |
66,0 |
8.361 |
64,8 |
13.792 |
65,3 |
Casado |
2.329 |
28,3 |
3.501 |
27,1 |
5.830 |
27,6 |
Outro |
474 |
5,8 |
1.036 |
8,0 |
1.510 |
7,1 |
ETN |
8.234 |
100,0 |
12.898 |
100,0 |
21.132 |
100,0 |
Branca |
4.600 |
55,9 |
7.512 |
58,2 |
12.112 |
57,3 |
Negra |
670 |
8,1 |
859 |
6,7 |
1.529 |
7,2 |
Parda |
2.816 |
34,2 |
4.236 |
32,8 |
7.052 |
33,4 |
Outra |
148 |
1,8 |
291 |
2,3 |
439 |
2,1 |
REN |
8.234 |
100,0 |
12.898 |
100,0 |
21.132 |
100,0 |
Até 1,5 sm |
768 |
9,3 |
1.441 |
11,2 |
2.209 |
10,5 |
1,5 a 3,0 sm |
1.977 |
24,0 |
4.037 |
31,3 |
6.014 |
28,5 |
3,0 a 4,5 sm |
1.911 |
23,2 |
3.316 |
25,7 |
5.227 |
24,7 |
4,5 a 6,0 sm |
1.267 |
15,4 |
1.932 |
15,0 |
3.199 |
15,1 |
Acima de 6,0 sm |
2.311 |
28,1 |
2.172 |
16,8 |
4.483 |
21,2 |
TRB |
8.233 |
100,0 |
12.898 |
100,0 |
21.131 |
100,0 |
Sim |
7.307 |
88,8 |
10.825 |
83,9 |
18.132 |
85,8 |
Não |
926 |
11,2 |
2.073 |
16,1 |
2.999 |
14,2 |
HES |
8.231 |
100,0 |
12.898 |
100,0 |
21.129 |
100,0 |
Nenhuma |
623 |
7,6 |
622 |
4,8 |
1.245 |
5,9 |
1 a 3 horas |
4.058 |
49,3 |
6.784 |
52,6 |
10.842 |
51,3 |
4 a 7 horas |
2.188 |
26,6 |
3.537 |
27,4 |
5.725 |
27,1 |
8 a 12 horas |
745 |
9,1 |
1.088 |
8,4 |
1.833 |
8,7 |
Mais de 12 horas |
617 |
7,5 |
867 |
6,7 |
1.484 |
7,0 |
EDP |
8.234 |
100,0 |
12.898 |
100,0 |
21.132 |
100,0 |
Nenhuma |
478 |
5,8 |
862 |
6,7 |
1.340 |
6,3 |
Fundamental I |
2.718 |
33,0 |
5.155 |
40,0 |
7.873 |
37,3 |
Fundamental II |
1.407 |
17,1 |
2.264 |
17,6 |
3.671 |
17,4 |
Médio |
2.369 |
28,8 |
3.254 |
25,2 |
5.623 |
26,6 |
Superior |
952 |
11,6 |
1.086 |
8,4 |
2.038 |
9,6 |
Pós-graduação |
310 |
3,8 |
277 |
2,1 |
587 |
2,8 |
EDM |
8.234 |
100,0 |
12.898 |
100,0 |
21.132 |
100,0 |
Nenhuma |
327 |
4,0 |
545 |
4,2 |
872 |
4,1 |
Fundamental I |
2.368 |
28,8 |
4.476 |
34,7 |
6.844 |
32,4 |
Fundamental II |
1.500 |
18,2 |
2.455 |
19,0 |
3.955 |
18,7 |
Médio |
2.557 |
31,1 |
3.890 |
30,2 |
6.447 |
30,5 |
Superior |
995 |
12,1 |
1.018 |
7,9 |
2.013 |
9,5 |
Pós-graduação |
487 |
5,9 |
514 |
4,0 |
1.001 |
4,7 |
Nota. As variáveis que não somam 21.200 observações apresentaram missing values.
Na sequência, como uma análise inicial do teste da hipótese H1, analisa-se cada uma das performances (NOFG, NDFG, NFG, NOCE, NDCE, NCE, NGE) por sexo. Considerando que os dados não possuem aderência à normalidade e, tampouco, possuem homogeneidade de variância, foi utilizado o teste t para grupos independentes com correção de Welch. Consistentemente com a predição da hipótese H1 (não há diferença de performance em condições distintas), o teste é realizado de forma bicaudal. A Tabela 5 mostra os resultados.
Conforme a comparação entre os desempenhos dos estudantes por sexo, percebem-se diferenças estatisticamente significantes (p < 0,01), refutando a hipótese H1. Com exceção da nota em questões discursivas de formação geral (NDFG), observa-se que os alunos obtiveram melhor performance do que as alunas. De modo geral, estes achados se opõe aos de Busch (1995), Gammie et al. (2003), Gracia e Jenkins (2003), Surridge (2009) e Tho (1994), os quais encontraram que mulheres possuem melhor desempenho que homens. No entanto, são congruentes com os achados de Buckless et al. (1991), Koh e Koh (1999), Ravenscroft e Buckless (1992), Santos (2012), Seow et al. (2014), pesquisas que reportam que alunos têm melhor performance que alunas. E são distintas dos resultados de Byrne e Flood (2008), Guney (2009), Hanks e Shivaswamy (1985), Nogueira et al. (2013), Okafor e Egbon (2011), Paver e Gammie (2005), os quais não encontraram relação entre o sexo e o desempenho discente.
Em adição, este resultado está parcialmente congruente com o de Arthur e Everaert (2012), os quais encontraram que alunas têm melhor desempenho em questões abertas e alunos em questões objetivas. Como o ENADE possui mais questões objetivas do que subjetivas, é possível que os alunos tenham performado melhor por conta do formato da questão. Outra potencial explicação advém de Ravenscroft e Buckless (1992). Os autores encontraram que enquanto os homens performam melhor quando a nota final advém de uma única prova aplicada ao final do período de aulas, as mulheres performam melhor quando a nota final é composta em parte por atividades intermediárias realizadas ao longo do período de aulas e em parte por uma prova final. Como o ENADE constitui apenas uma única prova realizada ao final do curso de graduação, esse fator, conforme os resultados de Ravenscroft e Buckless (1992), ajuda a explicar a performance superior dos alunos em relação a das alunas.
Tabela 5 - Comparação dos desempenhos por sexo
Desempenho |
Masculino |
Feminino |
p (bicaudal) |
||
n |
Média Erro-padrão |
n |
Média Erro-padrão |
||
NOFG |
8.268 |
53,3 |
12.932 |
48,8 |
0,00 |
0,21 |
0,17 |
||||
NDFG |
8.268 |
60,1 |
12.932 |
62,3 |
0,00 |
0,14 |
0,11 |
||||
NFG |
8.268 |
56,0 |
12.932 |
54,2 |
0,00 |
0,15 |
0,12 |
||||
NOCE |
8.268 |
45,4 |
12.932 |
40,5 |
0,00 |
0,19 |
0,14 |
||||
NDCE |
8.268 |
23,5 |
12.932 |
20,9 |
0,00 |
0,19 |
0,14 |
||||
NGE |
8.268 |
45,6 |
12.932 |
41,8 |
0,00 |
0,15 |
Fonte: elaborado pelos autores
Em complementação às potenciais explicações oferecidas, outras razões relevantes que emergem são as seguintes: (i) estudantes do sexo masculino estão associados a rendas familiares maiores. Conforme a literatura, espera-se que alunos com renda familiar mais elevadas tenham melhores performances (Krieg & Uyar, 2001; Miranda et al., 2015); (ii) alunos do sexo masculino estudam mais horas semanalmente. De acordo com a literatura, há relação positiva entre tempo de estudo e desempenho acadêmico (Krieg & Uyar, 2001; Miranda et al., 2015); e (iii) a quantidade de alunos do sexo masculino que está compreendida na categoria “solteiro” do estado civil é maior do que a dos alunos do sexo feminino. Estudantes solteiros podem possuir mais tempo para estudar por precisarem se dedicar menos a(o) parceiro(a) e ao(s) filho(s), caso tenham. Além disso, estudantes casados, mais no caso da mulher, exercem atividades domésticas, além da profissional, reduzindo o seu tempo disponível para estudo.
Com base nestas três razões principais relacionadas ao estudante, elaborou-se a análise de correspondência múltipla (ACM) para verificar como as variáveis acadêmicas e socioeconômicas de controle (REN, HES e ECIV) estão associadas ao sexo (SEX) e ao desempenho geral (NGE2). A Figura 3 mostra os resultados. Observa-se que os estudantes do sexo masculino estão mais associados às notas altas, à faixa de renda familiar mais elevada (mais de 6 salários mínimos) e à maior quantidade de horas estudadas (mais de 12 horas semanais), enquanto alunos do sexo feminino estão mais associados às notas médias-baixas, à faixa de 1 a 3 horas semanais de estudo, a famílias com renda de 1,5 a 3,0 salários mínimos e ao estado civil “outros” (separada, divorciada, viúva).
Portanto, os resultados da ACM constituem indícios que sustentam as possíveis explicações formuladas previamente para os resultados dos testes de média (alunos obtiveram melhor performance do que alunas). Ainda, implicações a partir desse achado podem ser traçadas. Por exemplo, de que o efeito do gênero no desempenho acadêmico deve ser contextualizado, levando-se em conta outros potenciais fatores associados. As associações reportadas pela ACM servem de indícios que reforçam a relevância de variáveis socioeconômicas para a performance dos estudantes. Desta forma, analisar somente a variável sexo per se pode não produzir interpretações completas, já que ignora outros fatores. Ademais, consoante (Miranda et al., 2015), o desempenho acadêmico pode sofrer influência de fatores relacionados aos alunos e professores
Figura 3 - Mapa perceptual de associação entre NG2, SEX, REN, ECIV e HES
Para aprofundar o teste da hipótese H1, foram elaborados dois modelos de regressão logística multinomial em cross-section utilizando a variável NGE2 (performance acadêmica categorizada por quartil) como dependente, como explicado na seção 3. Os testes comparativos anteriores (testes t de Welch) não consideravam a presença das variáveis de controle, por isso os modelos de regressão se fizeram necessários. Desta forma, a Tabela 6 apresenta os resultados.
As elevadas estatísticas LR chi2 e seus valores p menores que 0,01 apontam que pelo menos uma das variáveis explicativas é estatisticamente diferente de zero nos modelos. Analisando-se o modelo simples, observa-se que a variável SEX é significante (p < 0,01) para todas as categorias (Média-baixa, Média-alta, Alta) em relação à categoria de referência (Baixa). Isso indica que o sexo é determinante para explicar o desempenho (NGE2), refutando a hipótese H1 (não há diferença entre o desempenho de alunos e alunas em condições acadêmicas e socioeconômicas distintas). Observa-se que, de forma geral, os alunos têm maior probabilidade de obter desempenho superior às alunas (RRRs > 1,000). Por exemplo, a chance de se obter uma nota considerada Média-baixa, em relação à nota Baixa, ao ser um aluno, é de 11,6% (RRR = 1,116) maior do que quando se é uma aluna. A mesma interpretação deve ser feita para as categorias Média-alta (34,3%) e Alta (108,9%).
No modelo completo, obteve-se resultados similares. As RRRs da variável SEX são maiores que 1 e significantes (p < 0,05). A chance de se obter um desempenho Médio-baixo, em relação a conseguir um Baixo (categoria de referência), ao ser um aluno, é de 10,6% (RRR = 1,106) maior do que quando se é uma aluna. A mesma interpretação pode ser realizada para as RRRs da variável SEX das outras categorias. Estas evidências refutam a hipótese H1. Em adição, nota-se que o impacto do sexo discente na performance persiste mesmo após controlar por variáveis socioeconômicas (ex: etnia) e acadêmicas (ex: horas de estudo). Este achado é contrário ao de Buckless et al. (1991), os quais encontraram que a inserção de variáveis de controle reduzia os efeitos do sexo sobre o desempenho, muitos dos quais passaram a ser estatisticamente insignificantes. Na presente pesquisa, por outro lado, apesar da inserção de variáveis de controle ter reduzido o efeito do sexo, já que as RRRs do modelo simples são menores do que as do modelo completo, a variável não deixou de ser significante.
Os resultados dos modelos de regressão estão, portanto, alinhados aos dos testes t de Welch. A persistência do efeito significativo do sexo sobre o desempenho acadêmico após a consideração de variáveis de controle reforça as potenciais explicações de Arthur e Everaert (2012), Ravenscroft e Buckless (1992). O maior desempenho por parte de alunos do sexo masculino em relação ao do feminino pode ser devido ao formato e peso das questões, bem como à política de atribuição de pontos. Análises multivariadas são importantes à medida que permitem análises contextualizadas. A relação entre sexo e desempenho deve ser apurada de acordo com os fatores específicos de cada estudo.
As pesquisas de Koh e Koh (1999) e Seow et al. (2014) encontraram, de modo geral, que os alunos performam melhor do que as alunas. Ambos foram desenvolvidos em Singapura, o que sugere que pode haver algum aspecto na cultura educacional desse país que favorece os estudantes de ciências contábeis do sexo masculino. Outro aspecto contextual relevante é a disciplina em que a relação entre sexo e desempenho foi investigada. Embora não tenha sido detectada relação em muitas disciplinas (Busch, 1995; Gammie et al., 2003), há evidências de que alunas performaram melhor do que alunos em disciplinas de estatística e auditoria (Busch, 1995; Gammie et al., 2003). Pode-se complementar a literatura prévia ao focar-se na discussão específica das motivações de alunas terem obtido melhor performance em certas disciplinas e alunos em outras. Outro ponto de conflito na relação entre sexo e desempenho discente é concernente ao período do curso de graduação. Enquanto Koh e Koh (1999) encontraram que os alunos performaram melhor do que as alunas no 1º e 2º anos da graduação, Surridge (2009) aponta que alunas se saíram melhores no 1º da graduação. Apesar desse ponto de conflito, ambos os estudos não identificaram diferença de desempenho entre alunos e alunas do 3º da graduação em diante. Este resultado contradiz o do presente estudo, no qual estudantes dos últimos períodos do curso de graduação realizaram o ENADE 2015 e foi verificado que alunos têm melhor desempenho que alunas (em condições acadêmicas e sociais distintas, assim como nestes outros estudos prévios). Portanto, o período de graduação também merece mais investigações ao se analisar o sexo discente e a performance acadêmica. Essa discussão fortifica a necessidade de um olhar contextualizado das pesquisas.
Tabela 6 - Resultados dos modelos de regressão logística multinomial
NTGERAL2 |
Modelo Simples |
Modelo Completo |
||||
RRR |
Erro-padrão |
p |
RRR |
Erro-padrão |
p |
|
BAIXA |
Categoria de referência (base de comparação) |
|||||
MÉDIA-BAIXA |
||||||
CONSTANTE |
0,952 |
0,023 |
0,038 |
0,420 |
0,098 |
0,000 |
SEX |
1,116 |
0,046 |
0,008 |
1,106 |
0,047 |
0,018 |
CONTROLES(A) |
Não |
Não |
Não |
Sim |
Sim |
Sim |
MÉDIA-ALTA |
||||||
CONSTANTE |
0,893 |
0,022 |
0,000 |
0,420 |
0,098 |
0,000 |
SEX |
1,343 |
0,055 |
0,000 |
1,312 |
0,056 |
0,000 |
CONTROLES(A) |
Não |
Não |
Não |
Sim |
Sim |
Sim |
ALTA |
||||||
CONSTANTE |
0,734 |
0,084 |
0,000 |
0,081 |
0,022 |
0,000 |
SEX |
2,089 |
0,840 |
0,000 |
1,919 |
0,083 |
0,000 |
CONTROLES(A) |
Não |
Não |
Não |
Sim |
Sim |
Sim |
N |
21.200 |
21.129 |
||||
LR chi2 |
403,11 |
2.831,07 |
||||
p chi2 |
0,0000 |
0,0000 |
||||
Pseudo R2 |
0,0069 |
0,0483 |
Nota. (A)As variáveis de controle são: IDA, MOD, TRB, HES, ECIV, ETN, REN, EDP e EDM. Os seus resultados foram omitidos por motivo de foco e concisão.
Na sequência, para testar a hipótese H2, compararam-se os desempenhos dos estudantes em condições socioeconômicas e acadêmicas similares. Por exemplo, a performance dos alunos casados foi comparada com a das alunas que também eram casadas e que apresentavam as mesmas características em termos de idade, modalidade de ensino, trabalho, horas de estudo etc. As performances foram comparadas por meio dos testes t de Welch. A Tabela 7 reporta os resultados em três cenários de condições similares.
O Painel A mostra a comparação do desempenho de alunos e alunas em que ambos estudam na modalidade presencial, são jovens, são solteiros, se consideram brancos, têm o ensino fundamental I como nível educacional do pai e da mãe, possuem renda familiar de 1,5 a 3,0 salários mínimos, trabalham e estudam de 1h a 3h por semana. O Painel B mostra a comparação da performance de alunos e alunas em que ambos estudam na modalidade presencial, são muito jovens, são solteiros, se consideram brancos, têm o ensino fundamental I como nível educacional do pai e da mãe, possuem renda familiar de 3,0 a 4,5 salários mínimos, trabalham e estudam de 1h a 3h por semana. E o Painel C mostra a comparação do desempenho de alunos e alunas em que ambos estudam na modalidade presencial, são muito velhos, são casados, se consideram brancos, têm o ensino fundamental I como nível educacional do pai e da mãe, possuem renda familiar de 3,0 a 4,5 salários mínimos, trabalham e estudam de 1h a 3h por semana.
Tabela 7 - Comparação do desempenho em condições similares
Painel A |
|||||
Desempenho |
Masculino |
Feminino |
p (bicaudal) |
||
n |
Média Erro-padrão |
n |
Média Erro-padrão |
||
NOFG |
11 |
43,2 |
27 |
43,5 |
0,96 |
5,4 |
3,7 |
||||
NDFG |
11 |
61,5 |
27 |
63,8 |
0,51 |
2,8 |
2,1 |
||||
NFG |
11 |
50,5 |
27 |
51,6 |
0,80 |
3,8 |
2,3 |
||||
NOCE |
11 |
35,0 |
27 |
35,8 |
0,87 |
4,1 |
2,2 |
||||
NDCE |
11 |
19,0 |
27 |
16,1 |
0,57 |
4,0 |
3,2 |
||||
NGE |
11 |
37,1 |
27 |
37,5 |
0,90 |
2,8 |
1,8 |
||||
Painel B |
|||||
Desempenho |
Masculino |
Feminino |
p (bicaudal) |
||
n |
Média Erro-padrão |
n |
Média Erro-padrão |
||
NOFG |
18 |
44,4 |
51 |
51,5 |
0,21 |
4,5 |
3,0 |
||||
NDFG |
18 |
61,1 |
51 |
64,1 |
0,37 |
2,9 |
1,4 |
||||
NFG |
18 |
51,1 |
51 |
56,5 |
0,14 |
3,0 |
2,0 |
||||
NOCE |
18 |
44,7 |
51 |
43,5 |
0,83 |
5,2 |
2,0 |
||||
NDCE |
18 |
19,5 |
51 |
22,1 |
0,48 |
3,1 |
1,8 |
||||
NGE |
18 |
43,5 |
51 |
44,4 |
0,84 |
3,9 |
1,7 |
||||
Painel C |
|||||
Desempenho |
Masculino |
Feminino |
p (bicaudal) |
||
n |
Média Erro-padrão |
n |
Média Erro-padrão |
||
NOFG |
10 |
55,0 |
20 |
56,3 |
0,81 |
3,3 |
4,0 |
||||
NDFG |
10 |
57,6 |
20 |
62,8 |
0,23 |
3,5 |
2,4 |
||||
NFG |
10 |
56,0 |
20 |
58,9 |
0,38 |
2,0 |
2,5 |
||||
NOCE |
10 |
47,0 |
20 |
43,8 |
0,59 |
5,0 |
3,2 |
||||
NDCE |
10 |
17,5 |
20 |
32,4 |
0,00 |
2,6 |
3,9 |
||||
NGE |
10 |
45,9 |
20 |
46,3 |
0,94 |
3,2 |
2,4 |
Nota. Adicionalmente, foi realizada a análise do desempenho por meio do propensity score matching, reunindo pares de observações homem-mulher que possuíam as mesmas características em IDA2, MOD, TRB, HES, ECIV, ETN, REN, EDP e EDM. Não houve diferença estatisticamente significante entre os desempenhos (p > 0,10), sustentando os achados dos cenários, aqui, reportados.
Ressalta-se que o número de observações decresceu drasticamente em virtude da dificuldade de se identificar indivíduos com as mesmas características em todas as variáveis do estudo incluídas nos modelos de regressão (IDA2, MOD, TRB, HES, ECIV, ETN, REN, EDP e EDM). Entretanto, devido ao elevado número de observações da amostra, esta análise ainda foi possível.
Quando analisados em condições similares (mesma categoria em todas as variáveis de controle do estudo), a diferença relevante no desempenho entre alunos e alunas desapareceu (p > 0,10). Para a NDCE do Painel C, o desempenho das alunas é até significantemente maior do que a dos alunos (p < 0,01). De modo geral, esses resultados reforçam que, em condições socioeconômicas e acadêmicas semelhantes, não há diferença estatisticamente significante entre o desempenho de alunos e alunas de ciências contábeis, sustentando a hipótese 2.
A partir dos dados da presente pesquisa, é possível analisar um total de 172.800 cenários similares (produto da multiplicação do número das categorias das variáveis do estudo). Entretanto, em boa parte deles, o número de observações fica bastante reduzido a ponto de inviabilizar uma comparação entre desempenhos de forma robusta. Aqui, foram reportadas três do total de cenários possíveis, os quais mostraram, de modo geral, que não há diferença de desempenho de alunos e alunas em condições semelhantes.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo objetivou investigar empiricamente a relação entre o sexo e o desempenho acadêmico dos estudantes de ciências contábeis em condições acadêmicas e socioeconômicas distintas e similares. A partir da literatura, foram formuladas duas hipóteses (H1 não há diferença entre o desempenho de alunos e alunas de ciências contábeis em condições acadêmicas e socioeconômicas distintas e H2 não há diferença entre o desempenho de alunos e alunas de ciências contábeis em condições acadêmicas e socioeconômicas similares). Para tanto, foram coletados dados do ENADE 2015, os quais foram tratados e que resultou em uma amostra de 21.200 observações. Como procedimentos de análise, foram empregados testes de média, análise de correspondência e modelos de regressão logística multinomial.
Os resultados dos testes de média da comparação dos desempenhos em condições acadêmicas e socioeconômicas distintas indicaram que os alunos têm melhor performance do que as alunas, inclusive em questões discursivas. Desta forma, com base nessas evidências, a hipótese 1 é refutada, já que predizia que não haveria diferença material entre os desempenhos em condições diferentes.
Para tentar explicar este achado, foi realizada a ACM, na qual constatou-se associação significativa dos estudantes do sexo masculino com as camadas mais elevada de renda familiar e de horas de estudo semanal, além do status de solteiro. Por outro lado, observou-se que as alunas estavam mais associadas a faixas de renda familiar e de horas semanais de estudo reduzidas, além do status de casada. Este achado sugere que a existência de diferença significativa entre os desempenhos de alunos e alunas é devido a diferentes condições socioeconômicas nas quais estão expostos. Desta forma, efetuaram-se as análises de regressão logística multinomial, as quais reforçaram que o sexo masculino tem maiores chances de obter melhores performances do que o feminino, mesmo controlando por fatores demográficos e acadêmicos. Estes achados ajudam a refutar a hipótese 1.No entanto, quando comparados em condições acadêmicas e socioeconômicas similares, os desempenhos entre alunos e alunas não foram, de modo geral, estatisticamente diferentes. Isso sugere que quando alunos e alunas são providos das mesmas condições, o seu desempenho acadêmico tende a ser similar. Estas evidências sustentam a hipótese 2.
A partir dos resultados, é possível discutir duas principais implicações. Em primeiro lugar, provas acadêmicas, provas de concurso, exames profissionais e outros tipos de avaliações possuem comumente questões de múltipla-escolha. De acordo com os resultados de Arthur e Everaert (2012), esse formato de questão favorece mais alunos do que alunas. O desenho da questão ou o peso atribuído ao conjunto de questões objetivas e discursivas devem ser pensados cuidadosamente a fim oferecer uma avaliação mais equivalente em termos de sexo dos candidatos.
Em segundo lugar, com base nos resultados da hipótese 2, verificou-se que, diante de condições similares, alunos e alunas tendem a performar semelhantemente. Portanto, sustenta-se que fatores socioeconômicos e acadêmicos precisam ser oportunizados aos alunos e alunas de forma equivalente a fim de proporcionar chances mais igualitárias de performance. O oferecimento de condições acadêmicas e socioeconômicas similares aos estudantes superou a influência que o formato das questões pode ocasionar sobre o seu desempenho, como sugerem os achados da hipótese 2. É natural que, nesta segunda implicação, entrem questões de políticas públicas para o oferecimento de condições socioeconômicas mais igualitárias, que estão além do escopo da educação contábil. Entretanto, não a isenta de incentivar e implantar modos mais justos de avaliação em se tratando do sexo dos indivíduos, seja nos cursos de ciências contábeis por meio de seus professores, seja no exame de suficiência e em outras certificações por meio das entidades profissionais.
Em relação às limitações do estudo, destacam-se dois pontos: (i) a maioria das formas de mensuração das variáveis consideradas no modelo de regressão logística era qualitativa. Isso impediu que outras análises de natureza quantitativa fossem efetuadas para complementar os achados. A esse respeito, o pesquisador reforça que é uma limitação relacionada à forma de obtenção dos dados por meio do questionário do ENADE 2015; e (ii) algumas variáveis relevantes que podem predizer o desempenho acadêmico não são disponibilizadas pelo ENADE. Por exemplo, o desempenho acadêmico anterior, o conhecimento prévio sobre o conteúdo e a frequência às aulas são variáveis encontradas como significantes por estudos anteriores (Byrne & Flood, 2008; Guney, 2009; Miranda et al., 2015; Seow et al., 2014), mas que não foram levadas em consideração nas análises devido à indisponibilidade de dados.
Por fim, além das sugestões já realizadas ao longo do artigo, recomenda-se para pesquisas futuras a análise do efeito interativo e/ou moderador do sexo com outros fatores sobre o desempenho para aperfeiçoar os modelos preditivos. Além disso, incentivam-se pesquisas que relacionam o sexo do aluno às disciplinas (mais práticas ou mais teóricas, por exemplo), as quais podem ajudar a trazer evidências e interpretações mais precisas para o ensino contábil. Por fim, reforçam-se as sugestões de pesquisa de Lehman (2012), as quais representam interessantes e importantes oportunidades de exploração sobre o sexo no contexto contábil.
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Notas finais
1 Neste estudo, o autor faz uso dos termos “sexo” e “gênero” sob a conotação da perspectiva biológica, sendo intercambiáveis. Isto é, considera-se uma visão binária (masculino/feminino) acerca da identidade pessoal dos indivíduos, em alinhamento à forma como os dados foram coletados e disponibilizados pelo INEP. Apesar disso, o autor reconhece a importância de se investigar o gênero a partir da perspectiva sociológica, na qual outras identidades (LGBT+) podem ser assumidas.
2 Foram executados modelos de regressão linear via mínimos quadrados ordinários. Contudo, verificou-se a existência de níveis elevados de heterocedasticidade e de não normalidade dos resíduos, potencialmente por conta de variáveis relevantes omitidas, as quais não são disponibilizadas pelo ENADE. Nas limitações da pesquisa, esse ponto é ressaltado. Portanto, recorreram-se aos modelos logísticos.
1 vnasu@usp.br. Universidade de São Paulo. São Paulo-SP, Brasil. http://orcid.org/0000-0002-5176-6634
DOI: http://dx.doi.org/10.14392/asaa.2020130107
Artigo submetido em: 21/06/2019. Aceito em: 29/02/2010.
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